A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (12), projeto de resolução que muda o regimento interno para limitar os instrumentos que a oposição pode usar para criar obstáculos em votações. Num governismo de ocasião e oportunidade, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avalizou as alterações. Para aprovar o projeto, Lira teve de fazer acordo com a oposição e o Novo para tentar amenizar o texto.

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A primeira tentativa de votar o requerimento de urgência foi na quarta-feira (5) passada, que gerou fortes reações dos partidos de oposição. O texto foi aprovado por 337 a 110. Lira, na sequência, promulgou o projeto de resolução, que já começa a funcionar.

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Fins justificam os meios
O relator do texto, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), se reuniu com a oposição na manhã de terça para negociar mudanças no texto, mas não houve acordo. Os dois lados tiveram nova conversa, e o deputado acatou alguns pleitos, mas opositores ainda viram autoritarismo na versão aprovada.

O objetivo da base é atender aos interesses do governo, cuja articulação se origina no Planalto, com o apoio de Lira, em que a pretensão é desidratar os mecanismos de resistência previstos no regimento. O desejo final e a busca da aceleração de votações de interesses alheios aos do povo, especialmente a agenda econômica neoliberal.

Para Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da Minoria, aponta que, levado a cabo a proposta, Lira se contradisse em relação às promessas que fez durante a candidatura dele ao cargo de presidente da Câmara.

“A oposição, que, nesta quadra, é minoritária — nós somos cerca de 130 [deputados] —, tem o direito de ter voz. E esta foi a promessa do presidente eleito: dar voz aos deputados. Então, de fato, não é algo que me pareça mantenedor da estrutura democrática e de participação coletiva mudar o regimento à esta altura”, criticou Alice.

Sessões serão mais longas
O relatório de Ramos revoga dispositivos que tratam da prorrogação da sessão e reduz o tempo de fala de deputados na discussão de projetos. Hoje, as sessões ordinárias têm duração de 5 horas, sendo 3 dessas — prorrogáveis — para apreciação de proposições que compõem a pauta.

O projeto de resolução retira a menção a prazo desse artigo e também do dispositivo que trata das sessões extraordinárias - que, atualmente, têm duração de 4 horas.

Na sessão, oposição e partidos contrários ao projeto em discussão podem usar o chamado “kit obstrução”, composto de série de requerimentos para adiar a votação ou retirar de pauta determinado texto, por exemplo. Além disso, os líderes podem pedir tempo regimental para falar sobre assunto completamente diferente da matéria em discussão.

Com isso, os deputados conseguem retardar a tramitação de textos ou arrastar a discussão para nova sessão, quando é possível usar novamente alguns requerimentos, em que os líderes podem voltar a solicitar tempo para falar.

Ao retirar o prazo das sessões, essa possibilidade se perde, argumentam parlamentares. Além disso, sem prazo, a sessão poderia ser encerrada apenas após a apreciação de todos os projetos da pauta do dia ou a critério do presidente da Câmara.

O projeto encurta em 2 minutos — de 5 para 3 minutos — o tempo para encaminhamento de votação do autor de requerimento e do deputado contrário. Uma mudança inicial encurtava de 1 minuto para 30 segundos, o tempo de orientação de bancadas. No entanto, na votação em plenário, a oposição conseguiu alcançar acordo para manter o tempo original de 1 minuto.

Lira, no entanto, afirmou que acabaria com o costume de dar 1 minuto para deputados que quisessem se manifestar durante votações.

Sem chance para o convencimento
O texto permite iniciar a votação com a orientação em andamento, possibilidade que é criticada por deputados por não permitir que o parlamentar seja convencido por argumentos.

Ramos manteve a possibilidade de apresentação de destaques (propostas de modificação do texto) simples por parlamentares, mas desde que com a aprovação unânime dos líderes.

“Ao acabar com o destaque individual, ele tirava aquela possibilidade que muitas vezes o parlamentar tem de, mesmo não tendo a possibilidade do apoiamento do seu partido ao seu destaque, marcar posição sobre uma matéria com a qual ele tem vinculação, com um segmento com o qual ele tem compromissos”, disse o relator.

Cassação da palavra
No relatório dele, Ramos vedou que deputados possam usar a palavra sobre a proposição em discussão para falar em sentido contrário ao que se inscreveu. Se fizer isso, poderá ter a palavra retirada.

O relator fez outra mudança e indicou que, na hipótese de rejeição do substitutivo, ou na votação de projeto sem substitutivo, será votada a proposição inicial e as emendas a esta apresentadas.

Pelas regras de hoje, se o substitutivo fosse rejeitado ou na votação de texto sem substitutivo, a proposição inicial seria votada por último, depois das emendas que tivessem sido apresentadas.

Ramos acatou emenda para permitir que o presidente de uma comissão possa suspender a reunião por uma única vez, pelo prazo máximo de 1 hora. Depois disso, a sessão será considerada encerrada. A possibilidade também se estende ao presidente da sessão.

Diz uma coisa, mas é outra
Na justificativa do projeto, argumenta-se que o objetivo é que as regras de funcionamento do plenário “favoreçam o debate democrático, que constitui a essência dos trabalhos parlamentares, conciliando o regular exercício dos direitos de minorias com a otimização dos procedimentos legislativos, garantindo maior fluidez às sessões e possibilitando ao colegiado utilizar seu tempo de forma eficiente”.

Lira, durante a votação, negou que o texto final tenha sido conquistado à força. “Não foi conquistado na marra, foi conquistado no diálogo, na conversa.”

A deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) discorda. Ela afirmou que, com a votação do projeto, a Câmara endossa postura “que é muito perceptível e a maior característica do governo Bolsonaro, que é o autoritarismo, a não permissão das vozes divergentes.”

“É absolutamente lamentável que isso seja feito por pessoas que se dizem democratas, pessoas que se dizem contrárias à agenda autoritária do governo Bolsonaro e que querem, através [por meio] desse projeto, calar a voz da oposição.”

Menos espaço para o contraditório
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), com a aprovação da reforma no regimento, haverá menos espaço para contradição. “Porque a contradição, deputado Arthur Lira, a quem respeito como presidente, não se dá no momento da discussão. Ela [Essa] se dá no momento em que a minoria tem o poder de fazer obstrução. A obstrução legítima, prevista hoje no regimento, é o tempo para que a sociedade brasileira tome conhecimento das matérias”, criticou.

Autor do projeto de resolução inicial, o deputado Eli Borges (Solidariedade-TO) defendeu as mudanças no regimento. “Quando nós temos, ainda um regimento com 16 requerimentos obstrutivos, 27 encaminhamentos em cada um destes requerimentos obstrutivos, vários debatedores contra e a favor, e, em média, 5 destaques ou mais em matérias importantes, nós temos a percepção de que, se adotado todo o procedimento obstrutivo, nós precisaríamos de 14 horas e 51 minutos para podermos aprovar uma matéria neste Parlamento”, defendeu o projeto.

Em rede social, Lira defendeu as mudanças e afirmou que o regimento anterior, criado em 1989, “possuía dispositivos da época do regime militar, de 1972, quando havia o bipartidarismo.”

“A modernização do regimento interno vai qualificar o debate e aumentar — ao invés de diminuir — o tempo de discussão das matérias. Mas simultaneamente irá impedir a banalização da obstrução, um legítimo direito das minorias”, afirmou. (Com informações da Folhapress e Agência Câmara)

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