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Miguel Arcanjo Simas Novo*

O debate sobre o futuro do Estado brasileiro é imprescindível e tem enorme relevância para os milhões de cidadãos que dependem diariamente de serviços públicos de qualidade.

Neste momento em que se discute a Reforma Administrativa no Congresso Nacional, cabe ressaltar que as mudanças não se limitam a alterações pontuais na vida dos servidores; elas mexem nas bases do Estado, nas garantias constitucionais e na estrutura que sustenta a continuidade das políticas públicas no Brasil.

Discutir seus reflexos é, portanto, muito mais do que um debate corporativo. É discutir o modelo de Estado que queremos: forte, republicano e capaz de garantir direitos fundamentais.

Violação do Pacto Federativo

Um dos aspectos mais graves da proposta é a clara violação ao Pacto Federativo, pilar central do constitucionalismo brasileiro desde 1988.

A reforma promove uma expressiva centralização de competências normativas e administrativas na União, reduzindo sensivelmente a autonomia dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Com isso, afronta os artigos 18 e 25 da Constituição Federal, que asseguram a autonomia política, administrativa e financeira dos entes federados.

Ao uniformizar regras estruturantes de pessoal, gestão administrativa e políticas remuneratórias — todas sob comando central — a proposta desconsidera as profundas diferenças regionais, os distintos desafios locais e as diversas realidades financeiras do país. Trata-se de uma homogeneização artificial, que ignora a lógica descentralizadora que fundamenta o pacto constitucional brasileiro.

Mas, este não é apenas um problema técnico. É um problema democrático. Enfraquecer a autonomia federativa é enfraquecer a democracia local, a capacidade de planejamento regional e a própria essência do Estado Federativo.

Fragilização da estabilidade do servidor público

Outro ponto alarmante é a ameaça direta à estabilidade do servidor público — garantia republicana prevista no artigo 41 da Constituição Federal.

A estabilidade não é, e nunca foi, privilégio. Na verdade, é proteção da sociedade. É o que impede que servidores públicos sejam alvos de perseguições políticas, pressões econômicas ou interferências indevidas decorrentes de mudanças de governo. Graças a ela, o servidor cumpre a lei — e não a vontade momentânea de quem ocupa o poder.

A reforma propõe mecanismos que desconstroem essa proteção, como:

  • a possibilidade de extinguir cargos ocupados por decreto presidencial (art. 84, VI, b);
  • a substituição do aproveitamento obrigatório por indenização na dispensa de servidores estáveis (art. 41, §3º).

Na prática, isso significa permitir o desligamento de servidores concursados, sem justificativa estrutural consolidada e sem garantias que impeçam a interferência política.

As consequências são graves:

  • insegurança na continuidade das políticas públicas;
  • abertura para apadrinhamento e favorecimento pessoal;
  • perda da memória institucional; e
  • enfraquecimento dos controles internos do Estado.

Enfraquecer a estabilidade é fragilizar o serviço público e, sobretudo, prejudicar o cidadão, que passa a depender de um Estado vulnerável e suscetível a pressões externas.

Ameaça ao princípio da separação dos Poderes

A proposta também representa risco direto à separação dos Poderes, fundamento do artigo 2º da Constituição Federal, ao instituir:

  • tabela remuneratória única e nacional para todos os entes e Poderes (art. 39, §5º-A); e
  • normas gerais centralizadas para gestão de pessoas e organização administrativa (art. 22, XXXII e XXXIII).

Ou seja, a Reforma Administrativa invade competências próprias do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e de outros órgãos autônomos.

Com isso, compromete a autonomia institucional e impede que cada Poder organize sua força de trabalho conforme suas necessidades específicas. Mais do que uma interferência administrativa, trata-se de um ataque direto à independência funcional e à pluralidade institucional indispensável ao equilíbrio republicano.

A separação dos Poderes não é um detalhe teórico: é o alicerce que impede o abuso de autoridade e que garante o funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Garantias fundamentais e republicanas

A Reforma Administrativa, tal como apresentada, não é uma atualização modernizadora. Ela altera profundamente a arquitetura do Estado, centraliza poderes, fragiliza garantias essenciais e compromete pilares constitucionais.

O Brasil precisa, sim, modernizar sua administração pública. Precisamos de eficiência, inovação e práticas mais próximas das necessidades do cidadão. Mas, eficiência sem garantias republicanas é apenas concentração de poder — e poder concentrado é sempre um risco à democracia.

Uma reforma verdadeiramente republicana deve:

  • respeitar o pacto federativo;
  • fortalecer a estabilidade e não a eliminar;
  • preservar a separação dos Poderes;
  • proteger o interesse público; e
  • valorizar os servidores, pilares da prestação de serviços de qualidade.

Por fim, ressalta-se que este debate deve ser firme, técnico, democrático e envolver todos os segmentos da sociedade. O Brasil não pode aceitar reformas que coloquem em risco o futuro do serviço público e, consequentemente, os direitos de toda a população.

A ANFIP Nacional, como sempre, permanece vigilante, propositiva e comprometida com a defesa de um Estado forte, eficiente e voltado ao bem comum.

(*) Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e presidente do Conselho Executivo da ANFIP Nacional.

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