A Retirada da PEC nº 38/2025 e o Regime Regimental Aplicável
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A Proposta de Emenda à Constituição nº 38/2025, que trata da “reforma administrativa”, elaborada pelo Deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do Grupo de Trabalho criado em maio de 2025 pelo Presidente da Câmara dos Deputados, e apresentada à Câmara dos Deputados em 24 de outubro de 2025, reacendeu o debate público e institucional acerca dos limites da iniciativa parlamentar em matéria constitucional, bem como sobre os mecanismos de autoria coletiva, retirada de assinaturas e hipóteses regimentais de retirada de proposição.
A situação que se descortina após a formalização da PEC, especialmente diante do expressivo movimento de parlamentares buscando retirar seu apoio, impõe a análise rigorosa das normas do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), bem como da interpretação consolidada na jurisprudência e na prática legislativa.
A PEC 38/2025 foi subscrita por 171 parlamentares, atendendo ao número mínimo exigido pelo art. 60, I, da Constituição Federal. A proposição ainda se encontra pendente de despacho do Presidente da Câmara, etapa necessária para sua remessa inicial à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), onde deveria ter início o exame de admissibilidade, antes da apreciação por Comissão Especial e posterior deliberação em Plenário. Assim, sua tramitação propriamente dita ainda não se iniciou, o que repercute diretamente na aplicação dos dispositivos regimentais referentes à retirada de proposições.
Após sua apresentação, iniciou-se um movimento de parlamentares solicitando a retirada de suas assinaturas. Até 25 de novembro de 2025, 26 deputados já haviam protocolizado requerimentos individuais nesse sentido. Esses requerimentos, contudo, não configuram pedidos de retirada da proposição, mas tão somente de retirada de assinaturas — categoria distinta dentro da lógica regimental. Embora utilizem fórmulas redacionais comuns como “Requeiro, nos termos regimentais, a retirada da minha assinatura aposta à Proposta de Emenda à Constituição nº 38, de 2025”, esses pedidos não se amparam em dispositivo específico, tampouco produzem o efeito jurídico pretendido pelos subscritores.
O motivo dessa ausência de eficácia repousa no art. 102, § 4º, do RICD, que estabelece que, nos casos em que assinaturas são requisito para apresentação da proposição — como no caso das PECs — as assinaturas não podem ser retiradas após a apresentação à Mesa. Assim, a retirada posterior à formalização da proposição não surte qualquer consequência jurídica, permanecendo todos os 171 signatários como autores da PEC.
Dessa forma, impõe-se distinguir entre retirada de assinatura e retirada de proposição. O art. 104 do RICD disciplina esta última hipótese, determinando que a retirada deve ser requerida pelo autor e deferida ou não pelo Presidente, com recurso ao Plenário. No caso de proposição coletiva — como expressamente reconhece o art. 102 — todos os subscritores são considerados autores, o que implica que apenas eles podem solicitar a retirada. O § 2º do art. 104 acrescenta exigência adicional: na hipótese de autoria coletiva, a retirada somente pode ser efetivada mediante requerimento de metade mais um dos subscritores — no caso da PEC 38/2025, ao menos 87 parlamentares.
Portanto, o requisito numérico não se refere ao número de assinaturas retiradas, mas ao número de requerimentos de retirada da própria proposição. A consequência direta é que, mesmo que 87 deputados requeressem a retirada de suas assinaturas — o que já seria ineficaz à luz do art. 102, § 4º — isso não resultaria na retirada da PEC.
Para tal fim, portanto, é necessário requerimento específico, de RETIRADA DE PROPOSIÇÃO, nos termos do art. 104 do RICD.
Outro ponto relevante diz respeito à forma como esses requerimentos podem ser apresentados. Embora o RICD não explicite se o pedido deve ser único ou se podem ser contabilizados requerimentos individuais, a interpretação sistemática, apoiada em precedente do Supremo Tribunal Federal, aponta para a possibilidade de soma dos requerimentos individualizados. No Mandado de Segurança nº 34.562/DF, o STF
reconheceu que, para fins de atingimento do quórum mínimo exigido — naquele caso, para recurso ao Plenário no Senado — a soma de assinaturas apostas em requerimentos distintos poderia ser considerada para aferição do número necessário.
Embora trate de situação diversa, o precedente fornece parâmetro interpretativo importante, uma vez que privilegia a materialidade do apoio parlamentar, e não a forma do instrumento. Assim, é juridicamente defensável que cada deputado autor da PEC 38/2025 possa protocolar individualmente requerimento de retirada da proposição e que tais pedidos sejam somados até atingir o número de 87, momento em que o Presidente da Câmara deverá declarar, de ofício, a retirada.
Ressalte-se que o § 1º do art. 104 estabelece regime diferenciado quando já exista parecer favorável aprovado. Nessa hipótese, somente o Plenário pode deliberar sobre a retirada. Esse dispositivo explica situação semelhante envolvendo a PEC 32/2020, cujo processo avançado impedia retirada unilateral. Contudo, como a PEC 38/2025 ainda não teve parecer aprovado, aplica-se a regra geral do § 2º.
Do ponto de vista político, o movimento de retirada expressa repercussão social significativa e reflete reavaliação parlamentar sobre a proposta. Todavia, do ponto de vista jurídico-regimental, até que o número mínimo de requerimentos adequados seja alcançado, não existe consequência formal. A PEC permanece válida, íntegra e apta a tramitar, mesmo com ampla deserção simbólica.
Conclui-se, portanto, que: Apenas os autores da PEC podem requerer a sua retirada.
A retirada de assinatura não produz efeitos, pois somente pode ocorrer antes da apresentação.
A retirada da proposição exige requerimento específico, fundamentado no art. 104 do RICD.
São necessários 87 requerimentos de retirada de proposição, individuais ou coletivamente subscritos.
Atingido esse número, o Presidente da Câmara deve declarar a retirada.
Caso o número seja alcançado após aprovação de parecer, a retirada dependerá de decisão do Plenário.
A questão, portanto, transcende o campo político e ingressa no domínio das garantias procedimentais da Constituição e do Regimento Interno. A observância correta desses dispositivos assegura que a condução legislativa mantenha coerência institucional, previsibilidade, segurança jurídica e respeito às prerrogativas parlamentares — fundamentos indispensáveis ao Estado Democrático de Direito.
Em 25.11.2025
Luiz Alberto dos Santos
Advogado, Mestre em Administração e Doutor em Ciência Sociais Consultor Legislativo (aposentado) do Senado Federal
Professor Colaborador da EBAPE / FGV
