Por Roberto Policarpo Fagundes*

Há debates que carregam endereço ideológico e legado histórico: a defesa de quem trabalha é um deles. Foi nas vozes populares, nos sindicatos, nos movimentos sociais e na esquerda democrática que o direito ao descanso, ao salário justo e ao tempo para viver ganhou nome e coragem. Superar o 6×1 é continuar essa travessia — e convidar todo o país a reconhecer que dignidade não tem cor partidária, tem lado: o lado de quem acorda cedo, erra, acerta, recomeça e move o Brasil.

Porque o Brasil real é feito assim — de gente que trabalha com verdade, que assume o que deu errado, que conserta e segue. Essa é a essência da dignidade que defendemos: não a perfeição, mas o compromisso diário de fazer o certo, mesmo quando o sistema falha. E é justamente por isso que a redução da jornada é mais do que uma pauta trabalhista: é um gesto de reconhecimento com quem sustenta o país e, ainda assim, encontra força para continuar acreditando nele.

O Brasil aprendeu a crescer exigindo muito de quem trabalha e devolvendo pouco tempo para viver. Esse arranjo se naturalizou. Seis dias de trabalho, um de descanso. Longos trajetos, corpo exausto, vida comprimida entre obrigações. Mas o país que queremos construir não cabe mais dentro dessa conta.

O século XXI já provou que prosperidade e dignidade caminham juntas. Países que respeitam o tempo das pessoas — seu direito ao cuidado, ao convívio familiar, ao descanso, ao lazer e ao simples silêncio das horas — são mais produtivos, mais saudáveis e mais justos. Porque gente cansada adoece; e nações cansadas adoecem junto.

A escala 6×1 nasceu num Brasil que ainda não tinha reconhecido plenamente direitos básicos. Persistir nela é manter um país preso ao passado, quando já sabemos que dignidade não é gentileza — é condição para viver com plenitude.

País inteiro perde

Quando um trabalhador só tem um dia para recompor corpo e espírito, o país inteiro perde: perde o transporte, perde o hospital, perde a escola, perde o comércio, perde o serviço, perde o Estado. Perde a família. Perde a infância que não vê o pai ou a mãe descansando. Perde o próprio sentido de futuro.

Reduzir a jornada não é apenas reorganizar escalas. É reorganizar prioridades. Queremos uma economia que avance sem esmagar vidas. Queremos produtividade sem sacrificar saúde. Queremos competitividade sem desumanizar a rotina. Queremos um Brasil que respeita quem o sustenta.

Revisitar nossa história

Às vésperas do 20 de novembro [Dia da Consciência Negra], revisitar esse debate é, também, revisitar nossa história. Um país marcado pela exploração do trabalho precisa ser, ao mesmo tempo, capaz de reparar e de se reinventar. Não se trata de olhar para trás com culpa, mas para frente com compromisso.

O Brasil tem hoje maturidade institucional, capacidade técnica e consenso social suficientes para atualizar sua legislação de trabalho. A transição pode — e deve — ser responsável, pactuada, considerando os impactos econômicos e a especificidade de cada setor. Mas ela precisa sair do papel.

O Parlamento tem a oportunidade de liderar esse passo civilizatório. O Executivo já sinalizou claramente a importância do tema. A magistratura, a academia e o mundo do trabalho vêm acumulando dados, diagnósticos e argumentos. A sociedade sente, todos os dias, o peso dessa agenda.

Agora é hora de transformar sensibilidade em decisão. O Brasil só será plenamente democrático quando for plenamente humano. E isso começa pelo mais simples e mais profundo dos direitos: o direito ao tempo.

Tempo para existir. Tempo para cuidar e ser cuidado. Tempo para viver.

Quem trabalha pelo Brasil merece muito mais do que um dia de descanso. Merece dignidade — e dignidade não pode esperar.

*Roberto Policarpo Fagundes é servidor do TRT da 10ª Região.

NR - Os intertítulos foram inseridos pela editoria de O Poder. Os artigos veiculados em O Poder expressam a posição pessoal dos autores.

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