Art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal
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Luiz Alberto dos Santos*
Em 4 de maio de 2000, foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar nº 101, que “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências”.
Esta Lei foi festejada, desde a sua proposição ao Congresso, como um marco para o saneamento das finanças públicas e combate ao excesso de gastos, estabelecendo regra prudenciais e de controle rigorosas. Muitos, desde então, se arvoraram em “pais” da LRF, deixando de mencionar, porém, que o Projeto de Lei enviado ao Congresso (PLP 18, de 1999), continha inúmeras inconstitucionalidades e, se aprovado como concebido, geraria uma total paralisia dos governos, nos três níveis de Governo, inviabilizando políticas públicas, medidas anticíclicas e impondo a busca permanente da geração de resultados primários positivos.
A ela se sucederam diversas outras medidas de cunho fiscalista, como a EC 95/2016, que institui o “teto” de despesas primárias, alterações em seu próprio texto, como as promovidas pela Lei Complementar nº 173, de 2020, que analisaremos adiante, a EC 109/2020, que incorporou medidas de controle do gasto em nível nacional, e a EC 126/2022 e sua regulamentação nos termos da Lei Complementar nº 200, de 2023 – o “Novo Regime Fiscal Responsável”.
A “onda fiscalista”, porém, levou a que nela surfassem partidos políticos e governos diversos, evidenciando uma conduta irresponsável, do ponto de vista administrativo, político e até mesmo constitucional, e que contaminou, inclusive, a análise de sua validade constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que vem adotando, há muito, as teorias da “análise econômica do direito”. Essas teorias, em essência, subordinam o direito a conceitos e métodos da economia, para compreender, explicar, avaliar e prever as normas jurídicas e suas consequências no comportamento humano, submetendo o direito às limitações decorrentes de um contexto de recursos escassos, buscando a eficiência econômica e a racionalidade, visando uma compreensão pragmática do direito, aproximando-o da ciência econômica para otimizar a aplicação e a formulação das normas jurídicas de modo a promover eficiência e racionalidade social. Desse conjunto teórico faz parte a noção da “reserva do possível”, ou seja, a ideia de que o Estado só pode ser exigido a cumprir direitos, especialmente os direitos sociais, até o limite dos recursos disponíveis e da possibilidade financeira e operacional existente. Assim, por conta da escassez de recursos públicos e da limitação orçamentária, o Estado não pode ser compelido a satisfazer todas as demandas sociais – e até mesmo direitos assegurados pela Lei ou pela Constituição - de forma absoluta, mas tão somente aquelas que forem viáveis dentro da sua capacidade concreta.
A LRF, tão logo sancionada, foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 2.238), questionando diversos dos excessos mantidos pelo Poder Legislativo, além de aspectos formais de sua tramitação, como o desrespeito aos limites da capacidade revisora do Senado Federal, que alterou o texto no mérito, sem retorno à Câmara dos Deputados. A ADI somente teve seu julgamento concluído em junho de 2020, e alguns de seus dispositivos foram julgados inconstitucionais ou tiveram sua interpretação definida “conforme a Constituição”.
Um dos dispositivos então questionados foi o seu art. 21, assim redigido:
“Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o do art. 169 da Constituição;
II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.
Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.”
A ADI 2.238 apontou inconstitucionalidade no inciso II, que foi acatada pelo STF, como seguinte entendimento:
“5.2. Ao prever sanção para o descumprimento de um limite específico de despesas considerados os servidores inativos, o art. 21, II, da LRF propicia ofensa ao art. 169, caput, da CF, uma vez que este remete à legislação complementar a definição de limites de despesa com pessoal ativo e inativo, pelo que a ação deve ser parcialmente provida, nesse ponto, para dar interpretação conforme ao dispositivo no sentido de que se entenda como limite legal o previsto em lei complementar.”
Contudo, não houve questionamento quanto ao inciso I da redação original desse art. 21 da LRF, que declarava a nulidade de “ato” que provoque aumento de despesa nos cento e oitenta dias do final do mandato do titular do respectivo poder ou órgão.
Essa disposição legal tem, na esfera criminal, correspondência no art. 359-G do Código Penal, introduzido pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000.
"Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura:" (AC)
"Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos." (AC)
A definição de “ato”, de que parte o dispositivo, é ampla. Não se limita, por exemplo, a atos infralegais, ou atos administrativos em sentido estrito. Porém, a previsão no Código Penal remete à responsabilidade individual de quem pratica o ato, o que, por si só, traz grandes problemas para a sua aplicação.
O dispositivo penal incorpora, ainda, a noção da “legislatura”, como marco temporal, o que permite interpretar que a regra, com efeito, não se aplicaria a mandatos como o de Presidente da Câmara, Senado ou TCU, ou de Presidentes de Tribunais, que não são, a priori, mandatos eletivos relacionados com a duração da legislatura, pois seus encerramentos não estão a ela vinculados, necessariamente. Por exemplo, o mandato do Presidente do Supremo Tribunal Federal encerrou-se em 25.09.2025, mais de um ano antes do encerramento da legislatura atual.
Essas disposições visam impedir que o Governante ou Titular de Poder adote qualquer medida que acarrete aumento da despesa com pessoal nos 180 dias finais de uma legislatura (que coincide com o período final do mandato do Chefe do Executivo), gerando despesa de caráter continuado e que poderá trazer prejuízos ou gerar obrigações para o seu sucessor, além de, evidentemente, complementar a vedação de condutas estabelecidas na Lei Eleitoral de modo a impedir o uso do cargo público para auferir ganho eleitoral mediante a concessão de quaisquer reajustes aos servidores.
Sobre o ponto, opina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"A intenção do legislador com a norma do parágrafo único foi impedir que, em fim de mandado, o governante pratique atos que aumentem o total da despesa com pessoal, comprometendo o orçamento subsequente ou até mesmo superando o limite imposto pela lei, deixando para o sucessor o ônus de adotar as medidas cabíveis para alcançar o ajuste.” (grifo nosso) (in Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores: Ives Gandra Da Silva Martins e Carlos Valder Do Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 155).
Embora a Autora mencione o “governante”, o texto legal não restringe a norma aos Chefes do Executivo, mas atinge a todas as autoridades que possam editar tais atos, nos 3 Poderes.
Não se quer, com isso, dizer que o Chefe do Poder Executivo esteja de mãos amarradas, e que não possa adotar nenhuma medida essencial e indispensável ao funcionamento da Administração em final de mandato. Como salientou Rosane Heineck Schmitt em parecer formulado junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul,
"No que diz com a interpretação do contido no parágrafo único do art. 21 da LRF, se sua leitura for efetuada somente sob o viés da literalidade do que nele se contém, ter-se-ia que a lei impediria todo e qualquer ato que acarretasse aumento de despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato do gestor público responsável. Isto significaria, portanto, reduzir o respectivo mandato em seis meses, haja vista que, a partir daí, nada mais caberia gerir, restando ao administrador somente manter o status quo ante. Desta singela observação já se vê que não é isto que a lei determina - e nem poderia determinar -, porque não lhe cabe o direito de reduzir mandatos constitucional e legalmente instituídos. Daí se tem que a compreensão do texto do parágrafo único do art. 21 em exame demanda métodos hermenêuticos para sua perfeita inteligência, cujo ponto de partida é a determinação do tê-los daquele dispositivo.”[6]
Com base na interpretação do “espírito da lei”, entende a parecerista, Auditora do TCE-RS, que poderiam ser praticados os atos administrativos de que decorram aumento de despesa
“quando se tratem, apenas, de meros atos vinculados do gestor público, porque voltados para a concretização de anterior comando legal envolvendo, inclusive, direitos já adquiridos pelo servidor público, em razão de estarem previstos em legislação reguladora editada anteriormente àquele período, ou cuja legislação instituidora tenha sido encaminhada ao Poder Legislativo, pelo titular de Poder ou órgão para tanto competente, antes do início daquele prazo, motivo pelo qual seu cumprimento é obrigatório, mesmo quando seus efeitos patrimoniais se estendam ao período de restrição”.
No entender da especialista, seria, ainda, permitida a “concessão de revisão salarial geral anual aos servidores públicos, prevista no inciso X do art. 37, desde que existente política salarial prévia”, mas estaria vedada a “concessão de reajustes salariais setorizados, por categorias, instituídos no período de vedação” e, ainda, estaria autorizada a “concessão de aumentos salariais previstos em norma legal editada anteriormente ao período de vedação, com repercussão, nele, de parcelas determinadas na respectiva lei reguladora”.
Em sua formulação original, o dispositivo, portanto, não impediria a expedição do ato antes do prazo de 180 dias do final da legislatura, mas para produzir efeitos a partir desse prazo, o que resultaria na inocuidade da norma, sob o prisma fiscal.
Assim, por exemplo, se fosse adotada medida implicando em aumento da despesa com pessoal com efeitos no período de 180 dias, ela estaria vedada, mas, se impactasse período posterior, estaria permitida.
Tal interpretação, mostra-se evidente, seria absurda, pois estaria agravando as contas públicas no período do sucessor e gerando obrigação para o mesmo, comprometendo a própria noção de responsabilidade fiscal e gerando grave prejuízo à futura gestão ao comprometer receitas com o cumprimento de uma “promessa” materializada mediante ato ou decisão do governante cujo mandato se encerra, quando o que quis a LRF foi, precisamente, impedir que “leis testamento”, aprovadas de última hora, em final de mandato, gerassem despesas para o novo Governo, podendo, até mesmo, inviabilizá-lo.
Entender que a vigência após o período de 180 dias afastaria esse obstáculo seria premiar a esperteza, e jogar por terra o desiderato da Lei Complementar, que é o de evitar o aumento da despesa com pessoal, independentemente de seus efeitos se iniciarem antes ou após o encerramento do mandato do agente político responsável pelo ato que gera o aumento da despesa.
Tal censura seria afastada, é certo, se, enviando ao Legislativo no ano anterior, ou no início da sessão legislativa do último ano de mandato – mas antes dos prazos fixados, e com razoável antecedência para permitir a apreciação do Poder Legislativo – proposição legislativa com conteúdo similar, viesse à sanção essa proposição, aprovada e convalidada pela apreciação do Legislativo.
Nesse caso, não somente estaria afastada a crítica moral como restaria legitimada a prática do ato sancionador, pois, nesse caso, a prerrogativa de sanção converte-se em poder-dever, e não poderia a mesma ser-lhe subtraída, ainda que os efeitos da medida viessem a ocorrer no período de vedação (últimos 180 dias do mandato).
Não entendemos, assim, correto o entendimento de que a concessão do reajuste somente poderia ser efetuada, qualquer que fosse a data de seus efeitos financeiros, se a lei fosse promulgada antes da data limite, sendo certo, porém, que a sua sanção, para ser válida, dependeria de a proposição haver sido submetida ao legislativo em tempo hábil para a sua aprovação antes da data limite, ainda que, por razões políticas ou relativas ao processo legislativo, venha a ocorrer após essa data.
O ato de sancionar ou vetar projetos de lei, de sua iniciativa privativa ou não, mesmo que gerem aumento de despesa com pessoal, é prerrogativa constitucional privativa do Chefe do Poder Executivo[11] e inerente ao exercício do seu mandato, revestindo-se de características próprias de exercício do poder político de que é investido pelo voto.
Sendo a sanção ato jurídico complexo, que se inicia com a aprovação da matéria pelas duas casas do Congresso, e o envio de autógrafos à sanção, a omissão do Chefe do Poder Executivo não resultaria eficaz, pois a mesma teria que ser promulgada pelo Presidente do Congresso Nacional vencido o prazo constitucional para sanção ou veto; e, vetando a matéria, por contrariedade ao interesse público, com o fito de meramente afastar eventual aplicação do art. 21 da LRF e do art. 359-G do Código Penal, estaria dando à vedação alcance maior do que o buscado pela limitação legal.
Nesse caso, é obrigatório concluir que a sanção não caracterizaria os fatos típicos “ordenar, autorizar ou executar” ato[13] que gere aumento da despesa, mas obrigação constitucional que se sobrepõe, como poder-dever, à própria tipificação da conduta, sendo, portanto, excludente da eventual punibilidade. Ainda que não se possa dizer que seja ato vinculado, pois o Chefe do Executivo pode vetar ou sancionar as proposições legislativas aprovadas pelo Congresso, o veto compulsório, com fito de afastar a exposição do Presidente à sanção legal, implicaria em retirar-lhe prerrogativa constitucional com verdadeira redução da duração do mandato presidencial.
A prerrogativa, ademais, transferida ao Presidente do Congresso Nacional, de promulgar a lei em caso de silêncio do Chefe do Executivo, poderia levar ao paradoxo de gerar uma lei não sancionável, nem vetável e nem promulgável se, por exemplo, a lei em questão dissesse respeito aos servidores do Senado Federal e sua eventual sanção ou promulgação viesse a ser praticada durante o prazo de 180 dias que antecedem o encerramento do mandato da Comissão Diretora do Senado Federal, como, aliás, ocorreu em 2010, quando o Presidente da República sancionou, com vetos, já dentro dos últimos 180 dias de seu mandato, lei aprovada validamente pelo Congresso Nacional e cuja tramitação se iniciara em prazo hábil.
De resto, há que se destacar o fato de que o dispositivo acarretaria, se interpretado em sentido amplo, a atribuição a sujeito indeterminado do poder de declarar a “nulidade” de pleno direito de lei regularmente votada, aprovada e sancionada, sem a manifestação do Poder Judiciário, que é a única instância dotada, constitucionalmente, dessa prerrogativa, mediante a declaração de inconstitucionalidade mediante controle concentrado ou difuso. Se fosse essa a interpretação a ser extraída, a própria LRF estaria eivada de inconstitucionalidade, por criar meio extravagante de nulidade do processo legislativo.
A própria tipificação penal restaria prejudicada, pois estaria a configurar como crime um ato (envio de proposição legislativa ao Congresso) que, por si mesmo, não produz efeitos, mas depende do concurso de outros atores politicamente legitimados. Estariam todos, assim, Chefe do Executivo e legisladores, “mancomunados” para a prática do crime, conformando verdadeira “quadrilha” ou associação criminosa, ao encaminhar e aprovar a proposta?
Finalmente, não se configura, no processo de elaboração das leis, a “expedição” de ato, mas uma sucessão de atos políticos complexos que são praticados institucionalmente por agentes políticos, e não como pessoas físicas. É o que ocorre quando o Presidente da República sanciona ou veta leis, o quando, no seu silêncio, o Presidente do Congresso promulga as leis aprovadas pelas Casas Legislativas. Inocorre a mera “expedição” voluntarista, discricionária, de ato administrativo, mas a prática de ato político, essencial ao próprio regime democrático.
Dessa forma, entendemos que o Chefe do Poder Executivo não estaria incorrendo em prática de crime conforme tipificado no art. 359-G do Código Penal por sancionar lei legitima e validamente aprovada pelo Congresso, enviada tempestivamente por ele mesmo ou de autoria das mesas diretoras das Casas Legislativas ou outros autores legitimados, sejam os seus efeitos vigentes no período de 180 dias ou mesmo posteriormente a ele. Tampouco seria nulo de pleno direito tal ato gerador de aumento de despesa, à vista da legitimidade e presunção de constitucionalidade da lei aprovada e sancionada, desde que cumpridos os requisitos constitucionais, e.g. o art. 169 da Constituição.
Há, evidentemente, nesse julgamento, um elemento subjetivo, assim como um conceito de difícil valoração, que é o atendimento aos princípios da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, posto que o juízo de a partir de qual momento se torna ilícito encaminhar proposição legislativa ao Congresso para afastar a vedação do art. 21 da LRF comporta diferentes interpretações, não sendo, portanto, de fácil aferição.
Contudo, agravando essa já complexa situação, em 27 de maio de 2020 foi sancionada a Lei Complementar nº173, de 2020, que deu nova redação ao art. 21 da LRF, e trouxe severas restrições ao aumento da despesa, e que não podem ser negligenciadas.
Tais limitações são de duvidosa constitucionalidade, e foram introduzidas por emenda da Senadora Rose de Freitas ao Projeto de Lei Complementar nº 39, de 2020, do Senador Antonio Anastasia. Aprovadas pelo Senado, foram confirmadas pela Câmara dos Deputados.
Segundo a nova redação dada ao art. 21, II da LRF, “é nulo de pleno direito” o ato “de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20”. Essa norma repete o que antes constava do parágrafo único, e, inequivocamente, alcança todos os tipos de atos administrativos que envolvam aumento da despesa com pessoal, que, portanto, caso editados, seriam “nulos” e não supera o conflito já mencionado com a norma penal, permitindo interpretação de que se aplica a todos os titulares de mandato em todos os poderes, mesmo os presidentes de Tribunais e Presidentes de Casas legislativas e Tribunais de Contas, ainda que não coincidentes com o término da legislatura.
Já o art. 21, III, também atribui nulidade aos atos prevejam “parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20.
Assim como na redação original do art. 21, o conceito de “ato” para esses fins não é dado pela lei, e, dada a imprecisão conceitual, a LRF foi alterada para incorporar novas restrições.
O novo inciso IV do art. 21 prevê que é também nula
“IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando:
resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou
resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.
E, no § 1º do art. 21, fica estabelecido que as restrições de que tratam os incisos II, III e IV:
I - devem ser aplicadas inclusive durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder ou órgão autônomo; e
II - aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20.
A norma legal não deixa dúvidas, assim, quanto à impossibilidade da concessão de reajuste por ato administrativo, ou a própria aprovação ou sanção de lei em sentido material que conceda reajustes, a qualquer título, pelas autoridades ali referidas, e que produza efeitos nos últimos 180 dias do mandato do Presidente da República, ou que tenham impactos no mandato presidencial subsequente.
Ou seja: a partir de 180 dias do último ano do mandato presidencial, nenhum tipo de reajuste pode ser implementado, produzindo efeitos a partir desse período, ou que tenha parcelas a serem implementadas a posteriori.
Observe-se que, no texto aprovado pelo Senado, e mantido pela Câmara, a regra se aplica aos 3 Poderes e aos 3 níveis federativos, e o inciso IV do art. 21 dirige-se, de forma inequívoca, a um ato político que somente cabe a agentes políticos: o Chefe do Poder Executivo, Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados.
Eles são, nos termos da norma, impedidos, sob pena de nulidade, de aprovar, editar ou sancionar norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando, em especial, resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.
A ressalva do § 1º, II, salvo melhor juízo, não afasta a aplicação das restrições as leis oriundas de propostas dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público. A ressalva, que estipula que as restrições supra “aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20”, e que resulta da emenda aprovada pelo Senado ao PLP 39/2020, somente pode ser interpretada no sentido de que os atos ali previstos somente podem ser praticados pelos agentes políticos enumerados no inciso IV.
Se o veto é prerrogativa exclusiva do Chefe do Executivo, ou de quem esteja no exercício do cargo nos termos do art. 80 da Constituição, o ato de sanção ou promulgação somente pode ocorrer a) pelo Chefe do Poder Executivo ou b) pelo Presidente ou Vice-Presidente do Senado, conforme estabelece o art. 66 da Carta Magna. Ou seja: nenhum dos agentes políticos que estejam no cargo de Chefe do Executivo, ou de Presidente ou Vice-Presidente do Senado, poderia, validamente, sancionar ou promulgar lei que implique em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou resulte em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.
De outra parte, haveria contradição entre normas no mesmo texto legal: o inciso IV, determinando a quem se dirige a vedação, e o § 1º, II, eliminando a vedação...
Nos termos da Lei em questão, não parece restar dúvida de que a vedação à prática de atos infralegais se aplica a todos os agentes políticos ou membros de Poder, como apontado pelo Acórdão nº 1022/25 - Tribunal Pleno, do Tribunal de Contas do Estado do Paraná[1], quando, em análise de consulta do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, confirmou que “a Cúpula Diretiva do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deve observar as restrições dos incisos II e III do art. 21 da Lei Complementar nº101/2000 ao final do mandato de seu Presidente, inclusive na hipótese de ocorrer recondução ou reeleição para o cargo, nos termos do § 1º do citado art. 21” e que “as vedações previstas no inciso IV do art. 21 da Lei Complementar nº 101/2000 se impõem, também para o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no final do mandato do Governador do Estado, devendo ser aplicadas mesmo no caso de coincidir o período de recondução ou reeleição do seu Presidente, conforme o § 1º do art. 21.”
A norma, ainda que invada o que é competência constitucional desses agentes políticos – e que, em nosso entender, não poderia ser condicionada por lei complementar – coloca como parâmetro temporal o mandato do Chefe do Poder Executivo, que é quem, ao fim e ao cabo, detém a competência de elaborar e submeter ao Legislativo a Lei Orçamentária que envolve todos os Poderes.
Porém, no julgamento das ADIs 6.442, 6.447, 6.450 e 6.525, ajuizadas por Partidos Políticos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 16 de março de 2021, julgou constitucionais esses dispositivos da Lei Complementar 173/2020.
No seu voto, o Relator, ministro Alexandre de Moraes, validou as regras sob o prisma da responsabilidade fiscal, considerando “absolutamente consentânea com as normas da Constituição Federal e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável", e que trata-se de medidas que versam “sobre a organização financeira dos entes federativos e seus órgãos, cuja finalidade é apresentar medidas de prudência fiscal para o enfrentamento dos efeitos econômicos negativos causados pela pandemia aos cofres públicos”. Conclui que “no caso da norma em análise, a LC 173/2020 apenas reforçou a necessidade de a gestão fiscal ser transparente e planejada, impedindo que atos que atentem contra a responsabilidade fiscal sejam transferidos para o próximo gestor, principalmente quando em jogo despesas com pessoal.”
Segundo a petição inicial da ADI 6.447, do Partido dos Trabalhadores, as restrições impostas por meio da alteração ao art. 21 da LRF “ao não permitir que o gestor público pratique atos que aumentem despesas com pessoal com a previsão de parcelas a serem implementadas nos próximos mandatos”, impossibilitariam “a execução de políticas de pessoal, na medida em que os gastos com pessoal são despesas correntes de caráter continuado e decorrentes de programações financeiras ao longo do tempo”. E, ainda,
“Ocorre que, ao alterar o art. 21 da LRF, o art. 7º da LC nº 173/2020, na verdade, afronta toda a perspectiva de boa gestão pública de pessoal, instituindo entrave às garantias de profissionalização da função pública brasileira previstas no art. 39, caput, §1º e § 3º, da CRFB/88.
Qualquer proposta tendente a proibir a concessão de aumentos, reajustes, reestruturação de planos de carreira e nomeação em concurso público por um Chefe de Poder ou órgão que ultrapasse o seu mandato não atende nenhum juízo de razoabilidade, na medida em que o que mais se espera dos administradores públicos é que passem a gerir a coisa pública como questão de Estado e não de governo.
Nesse sentido, o dispositivo não apenas viola o exercício de competências privativas dos Chefes do Poderes e órgãos independentes de disciplinarem o regime jurídico dos seus servidores, mas também os princípios da moralidade e eficiência administrativa consagrados no art. 37, caput, da CRFB/88, significando, portanto, verdadeiro ataque à gestão pública de pessoal por vias orçamentárias, afetando, inclusive, o já tão fragilizado pacto federativo e a separação dos Poderes (arts. 1º e 2º, CRFB/88).
(...)
Assim, levando-se em consideração que o art. 7º e o art. 8º da Lei Complementar nº 173/2020 dispõem sobre profundas mudanças para o funcionalismo público do executivo federal sem que sua propositura tenha sido feita pela Presidência da República, bem como para os servidores dos demais Poderes da República, é patente a existência de profundo vício de iniciativa em sua tramitação, reputando-se inconstitucional o referido artigo.”
Corretamente, a ADI apontava, ainda, a extrapolação do disposto no art. 169 da Constituição:
“... em estabelecer restrições às despesas com pessoal mais gravosas do que as que já estavam previstas no texto constitucional, a Lei Complementar nº 173/2020 acaba por extrapolar, e muito, os limites constitucionalmente previstos para a sua atuação.”
No mesmo sentido, a ADI 6.450, do Partido Democrático Trabalhista, apontava que
“(...) a proibição de que o gestor público pratique atos que consubstanciem em aumento de despesas com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão, impossibilita a execução de políticas de administração e de remuneração pessoal (art. 39, caput, da CF). A referida proibição estorva os caminhos para garantir a escorreita profissionalização e aperfeiçoamento do serviço público brasileiro, o que também gera, por consequência, violação ao §1º, do art. 39 da CF/88. Isso porque na enumeração dos itens do referido §1º estão elementos básicos para a formulação da política remuneratória. Mas não é só. O dispositivo também viola o princípio da eficiência administrativa, insculpido no art. 37, caput, da CF, pois impedirá a implementação de políticas de aperfeiçoamento de pessoal.
Mais uma vez, como mencionado anteriormente, esses dois artigos introduzem cominações deontológicas como se ostentassem o status de normas constitucionais, interferindo em prerrogativas essenciais dos entes federativos e esfacelando a separação de poderes, mesmo atualizando esse conceito para sua acepção teleológica. A Constituição Cidadã de 1988 traçou standards claros para as políticas de valorização dos servidores públicos, inclusive deixando claro que os seus reajustes devem ser anuais, seguindo uma baliza igualmente constitucional. Agora, em um momento de crise descomunal, em que há necessidade de aumentar a demanda agregada da sociedade, o atual governo, de forma irracional até mesmo aos ditames neoliberais, descurando-se dos limites constitucionais, impõe uma quebra de direitos fundamentais dos servidores e impede os entes federativos, e os demais poderes estabelecidos, de exercerem sua política própria, dentro dos limites constitucionais, de valorização do sistema remuneratório de seus servidores.”
Ignorados esses argumentos pela Corte e validada pelo STF a Lei Complementar nº 173, nenhum reajuste a ser implementado de forma escalonada poderia ter parcelas a vigorarem a partir dos 180 dias que antecedem o fim do mandato do Chefe do Executivo, seja lei concessiva de reajuste para servidores do Executivo, Legislativo, Judiciário ou Ministério Público, dado que o elemento central é a vedação de “aumento da despesa com pessoal” nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo ou mediante “parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.”
Proposições legislativas, portanto, que não considerem essas limitações acham-se em risco de ou não serem aprovadas, ou, sendo aprovadas, não serem validamente sancionadas, sob pena tanto de nulidade, quanto da infração ao tipo penal introduzido pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000.
Além disso, há que se considerar a necessidade de cumprimento do disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor em 2025 e no PLDO para 2026, que consideram inadequados sob prisma orçamentário e financeiro proposições que alterem gastos com pessoal, nos termos do disposto no § 1º do art. 169 da Constituição, de modo que o somatório das parcelas remuneratórias permanentes ultrapasse o limite estabelecido no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição, assim como as normas da LDO que exigem que as proposições legislativas, que importem renúncia de receitas ou criação ou aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado, nos termos dos art. 14 e art. 17 da Lei Complementar nº 101, de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, sejam instruídas com demonstrativo do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que devam entrar em vigor e nos dois subsequentes e atender ao disposto neste artigo, devendo essas estimativas “constar da exposição de motivos ou de documento equivalente que acompanhar a proposição legislativa”.
Também vigora a exigência de que a proposição legislativa relacionada à criação ou ao aumento de gastos com pessoal e encargos sociais ou com benefícios obrigatórios devidos aos agentes públicos e seus dependentes seja acompanhada de “demonstrativo do impacto orçamentário-financeiro da medida proposta” com detalhamento dos ativos, inativos, pensionistas e, quando for o caso, beneficiários, acompanhado de premissas e metodologia de cálculo utilizadas, e comprovação de que a medida, em seu conjunto, observa a meta de resultado primário estabelecida, considerado o limite inferior do intervalo de tolerância de que trata o inciso II do § 1º do art. 2º, os limites de despesas primárias estabelecidos na Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023, e os limites estabelecidos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Quanto à necessidade de estimativas de impacto, vigora, ainda, o disposto no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro." E embora a obrigação de apresentação das estimativas estabeleça que deva ser feita na Exposição de Motivos da proposição, a LDO prevê que os Presidentes de comissões do Legislativo poderão solicitar aos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União o fornecimento no prazo máximo de sessenta dias, os subsídios técnicos para o cálculo do impacto orçamentário-financeiro de proposição legislativa, norma que, contudo, tem como destinatárias as proposições apresentadas pelos membros do Parlamento, mas que, eventualmente, podem propiciar o saneamento de propostas originadas de outros Poderes que não atendam ao dispositivo constitucional e à LDO.
Em agosto de 2020, Sérgio Ciquera Rossi, secretário-diretor-geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, publicou no portal “Congresso em Foco”[2], eloquente análise sobre as restrições impostas pela nova redação dada ao art. 21 da LRF.
Diz o Autor:
“Tenho a sensação, pelo menos no que me diz respeito, de que certas regras legais passam desapercebidas quando de sua aprovação, para só emergirem no momento de sua aplicação, oportunidade em que são medidas suas reais extensão e consequências.
Caso recente, pelo menos na minha percepção, concentra-se nas alterações, entre outras, promovidas pela Lei Federal nº 173, de 2020, pelo artigo 21 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Primeiro tenhamos presente que tais modificações introduzidas no artigo 21 não têm caráter meramente suspensivo por tempo determinado; ao contrário, serão permanentes. Como se diz, vieram para ficar.”
E, após analisar os incisos I a III, acrescenta:
“O inciso IV segue na mesma linha, para considerar, também, nulo de pleno direito a edição ou a sanção de lei que altera, reajusta ou estrutura carreiras, incluindo nomeação de aprovados em concurso público. Assim constata-se que a vedação alcança os titulares de poderes e órgãos.
Essa vedação materializa-se com o aumento da despesa nos 180 dias finais do mandato do titular do Poder Executivo, o que não é novidade. Isso significa que nenhum outro Poder ou Órgão poderá dar causa a aumento de despesas de pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato do Governador ou do Prefeito, tampouco aumentar a despesas que ‘preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do Chefe do Executivo (do Governador ou do Prefeito em última análise)’.
Essas restrições, como preceituam o § 1º do artigo 21, aplicam-se, inclusive, ‘durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder, Governador e Prefeito, ou órgão autônomo’. Proíbe-se com isso, a transferência de compromissos que onerem orçamentos de mandatos posteriores.”
E, no entender de Marcus Abraham[3], a vedação do inciso IV abarca não apenas a sanção da norma legal pelo Chefe do Poder Executivo, mas também a própria edição da norma por parte do Presidente e demais membros da Mesa ou órgão equivalente do Poder Legislativo, e, também, os Presidentes de Tribunais do Poder Judiciário e os Chefes dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.
Para o Jurista, refletindo o pensamento majoritário da doutrina, tais normas teriam caráter moralizador, ao impedir as chamadas “leis testamento” ou a criação de “esqueletos fiscais”, que, como aponta esse Autor “muitas vezes inviabilizam a gestão subsequente”:
“A lei restringiu a realização de certas despesas no último ano de mandato dos governantes, buscando acabar com as reiteradas práticas de se deixar uma “herança de dívidas” para seus sucessores, que muitas vezes acabavam por inviabilizar boa parte da gestão.”[4]
Não obstante essa honesta preocupação, como já apontamos, existe inconstitucionalidade flagrante no fato de uma lei complementar estabelecer a pecha de nulidade a ato que é de competência exclusiva de agente político no exercício de seu mandato, e a má redação dos dispositivos conduz a um labirinto: submetido ao Congresso um projeto de Lei de iniciativa privativa do chefe de um Poder, e aprovada essa lei como ato coletivo, e remetida a norma aprovada à sanção, como pode uma lei complementar determinar a nulidade da sua aprovação, e a própria a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal resultante?
À míngua de norma constitucional expressa que autorize essa declaração de nulidade, o ato resultante seria, constitucionalmente, legítimo, desde que observado o disposto no art. 169, § 1º da Constituição, que requer, apenas, que a lei que conceda vantagem ou aumento de remuneração seja precedida a) de dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; b) de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.
A menos que o Supremo Tribunal Federal venha a rever a sua decisão adotada nas ADIs 6442, 6447, 6450 e 6525, estarão o Chefe do Executivo e demais autoridades impedidas de aprovar, sancionar ou promulgar as normais legais decorrentes dos projetos de lei ou equivalentes que venham a ser propostos e aprovados pelas Casas Legislativas, com efeitos a serem implementados após o prazo de 180 dias do término do mandato do Presidente da República, Governador de Estado ou Prefeito.
Outra alternativa seria a aprovação, pelo Congresso Nacional, de forma tempestiva, de projeto de lei complementar que afastasse a pecha de nulidade prevista no art. 21, IV da LRF quanto a sanção ou promulgação de leis que tenham parcelas a serem implementadas no mandato subsequente do Chefe do Executivo, fixando, porém, limite para o aumento da despesa que seja compatível com a estimativa de aumento do limite de despesas primárias no período de aplicação das parcelas.
Ausentes essas soluções, no caso de Projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que descumpram esses requisitos, é necessário o seu saneamento, com o envio ao Legislativo de mensagens com as respectivas estimativas de impacto financeiro e orçamentário e memórias de cálculo, previamente à sua apreciação, assim como a aprovação de emendas que afastem cláusulas com efeitos financeiros além dos 180 dias anteriores ao término do mandato presidencial ou final da legislatura. Constatado o descumprimento dos limites orçamentários (e.g. limites de despesa fixados pela Lei Complementar nº 200/2023) ou incompatibilidade com a autorização de aumento da despesa prevista no Anexo V da Lei Orçamentária Anual, impõe-se a adequação do impacto ao montante de acréscimo na despesa nele permitido.
Por fim, para que não se incorra em riscos de veto presidencial, e até mesmo de judicialização, o que produziria enorme insegurança jurídica em tema de efeitos concretos e de caráter alimentar dos reajustes propostos, consideramos, em vista do texto expresso de norma em vigor, cuja constitucionalidade não foi afastada pelo STF quando de seu questionamento, ser também necessário o saneamento, por ser inafastável a observância dos limites temporais do art. 21, IV da LRF. Para esse fim, a solução é a retificação de eventual proposição que os descumpra durante a tramitação legislativa, com a divisão da proposição para que se constitua em projetos em separado nos termos do art. 57, III do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, de forma a que, como ocorreu em 2022 e 2023, caso aprovada o reajuste com efeitos para 2026, seja a mesma sancionada, e a proposta com reajustes a serem aplicados para 2027 e 2028 tenha tramitação autônoma e, caso aprovada no final de 2026, possa ser sancionada em 2027.
Em 1º de outubro de 2025.
LUIZ ALBERTO DOS SANTOS
Advogado – OAB RS 26.485 e OAB DF 49.777
Consultor
Sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas
[1] https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2025/5/pdf/00395123.pdf
[2] https://www.conjur.com.br/2020-ago-01/sergio-rossi-dificil-artigo-21-lrf/
[3] Abraham, Marcus. Lei de Responsabilidade Fiscal comentada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 219-222.
[4] Abraham, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 8ª ed., 2025.