Análise: O avanço epidêmico das emendas impositivas
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A introdução das emendas impositivas no orçamento da União é, sem dúvida, um dos principais fatores por trás do “parlamentarismo informal” em vigor no Brasil. Já se tornou lugar-comum afirmar que o domínio crescente do orçamento pelo Legislativo conferiu maior independência aos parlamentares, enfraqueceu o conceito tradicional de base aliada e comprometeu as condições de governabilidade, independentemente do presidente em exercício. Tampouco é necessário relembrar as mudanças legais que permitiram essa transformação.
Neste ano, o orçamento da União reservou R$ 50 bilhões para indicações dos congressistas, distribuídos em três tipos de emendas parlamentar: individual, de bancada estadual e de comissão. Trata-se de um montante superior às receitas de vários estados, a ser gasto sob elevada desconfiança da opinião pública. As críticas a esse mecanismo são múltiplas. Destacam-se entre elas a ineficiência na aplicação dos recursos, a ausência de transparência, a desvinculação das emendas de projetos estruturantes, a pulverização dos investimentos e o enfraquecimento da capacidade de planejamento estatal. Órgãos de controle e fiscalização têm identificado irregularidades em sua execução, e o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa atualmente a constitucionalidade desse modelo de distribuição de recursos públicos.
Além dos impactos no plano federal, esse arranjo tem provocado distorções também nos níveis estadual e municipal. A prática de tornar obrigatória a execução das emendas parlamentares orçamentárias tem sido adotada por diversos governos estaduais e prefeituras, gerando resistência por parte dos chefes do Executivo. Um relatório da Transparência Internacional divulgado no ano passado indicava que 23 das 27 unidades federativas já incluíram emendas impositivas em seus orçamentos, com tendência de ampliação dos recursos alocados a essa finalidade.
Na semana passada, em audiência pública no STF conduzida pelo ministro Flávio Dino, que discute a legalidade das emendas impositivas, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), expressou a insatisfação dos gestores estaduais com esse mecanismo. Em nome do Fórum de Governadores, ele afirmou que as emendas ferem o princípio constitucional da eficiência administrativa e servem majoritariamente a interesses eleitorais.
A declaração de Mendes chamou atenção de observadores políticos, já que, ao ser filiado ao União Brasil, uma das siglas do chamado Centrão, destoou da posição de seus correligionários, que defendem abertamente esse tipo de emenda, tendo nelas um dos eixos centrais de sua atuação parlamentar. O fortalecimento das emendas impositivas, aliás, foi determinante para o bom desempenho eleitoral dos partidos do Centrão nas últimas eleições municipais.
No âmbito municipal, ainda não há dados consolidados sobre a presença de emendas impositivas nos orçamentos das mais de 5 mil cidades brasileiras. Contudo, sabe-se que esse movimento já alcança várias capitais. Em São Paulo, recentemente causou repercussão a tentativa da Câmara Municipal de aprovar a obrigatoriedade da execução das emendas dos vereadores, bem como a reação contrária do prefeito Ricardo Nunes (MDB). A capital paulista, dona do terceiro maior orçamento do país, até agora manteve a prerrogativa do Executivo quanto à execução dessas emendas. Especialistas em finanças públicas temem que a prática se espalhe para municípios menores, cujos orçamentos fragilizados já dificultam a manutenção de serviços básicos. No entanto, como essa tendência reflete a busca por simetria com as esferas superiores, dificilmente será contida. A expectativa é que o STF intervenha para corrigir as distorções, já que não há sinais de que o Legislativo tomará essa iniciativa.
Marcos Queiroz* - Jornalista, analista político e consultor. Pós-graduado em Processo Legislativo, com mais de 20 anos de experiência no acompanhamento do Congresso Nacional. Um observador atento da cena política no parlamento.