A CPI do MST e a necessidade da Reforma Agrária
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Deverá acabar, nesta semana, a CPI do MST na Câmara Federal, com resultados contrários aos pretendidos por seus autores: criminalizar a luta pela terra no Brasil, que ocorre há mais de 70 anos, responsabilizando uma das principais organizações das vítimas dos latifundiários — no caso, o MST (Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Terra), surgido em 1984.
Milton Pomar*
Ao que tudo indica, o tiro dos defensores dos latifundiários saiu pela culatra: a CPI do MST serviu para que muitas pessoas se dessem conta da necessidade da Reforma Agrária para a produção de alimentos para o povo e para acabar com a impunidade dos latifundiários. E de quebra, reforçou a avaliação negativa que se tem dos (e das) parlamentares de extrema-direita, dada a mediocridade gritante e outras características horríveis, exibidas com frequência em suas redes sociais e nas reuniões da CPI.
Graças aos parlamentares de extrema-direita que criaram a CPI do MST, o Brasil hoje se pergunta por que mais de 30 milhões de pessoas continuam passando fome, se a disponibilidade de grãos na safra brasileira de 2022/2023 é de 1.576 kg/hab/ano, mais de 6 vezes a da Índia (235 kg/hab/ano), e 3 vezes a da China (490 kg/hab/ano). Cabe agora aos propagandistas do Agro “é pop”/“é tech”/“é tudo” explicar porque o Agro também “não é comida para o povo”.
Liderada pelo ex-ministro da Devastação Ambiental, essa CPI serviu ainda para mostrar para a população urbana um pouco do “mundo rural”, no qual apenas 2% dos proprietários de terras do Brasil têm área total equivalente a 1 vez e meia a região do Cerrado, bioma devastado pelos latifundiários do Agro para produzir principalmente soja, milho, algodão e carne bovina para exportação.
O “canto do cisne” da CPI do MST deverá ocorrer nesta terça-feira (15), quando Brasília, por coincidência, estará ocupada por mais de 100 mil mulheres “do campo, da floresta e das águas” da “Marcha das Margaridas” que tem esse nome em homenagem à sindicalista paraibana Margarida Alves, assassinada em 12 de agosto de 1983 (há exatos 40 anos…), a mando de latifundiários, todos impunes até hoje.
E vai ser na tarde do dia 15, a partir das 14 horas, que o economista João Pedro Stédile, da direção nacional do MST, vai ser ouvido na CPI. Estudioso da Questão Agrária e da Agricultura no Brasil e em muitos outros países, Stédile é autor e coautor de mais de 1 dezena de livros sobre a temática, e trabalha no MST desde a fundação, tendo acompanhado de perto, nesses 40 anos, os inúmeros acampamentos, assentamentos e cooperativas em todo o País. Por isso, Stédile demonstrará a importância do MST para o desenvolvimento do Brasil e para melhorar a qualidade de vida no País.
Logo após o fim da ditadura militar, em 1985, os latifundiários de extrema-direita criaram a UDR (União Democrática Ruralista), organização nacional cujos objetivos principais eram combater o MST, o PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o PT (Partido dos Trabalhadores).
Vivenciei de perto a atuação dessa entidade porque trabalhava em jornal agrícola na época. Acompanhei alguns leilões de arrecadação de fundos, nos quais o ódio nos discursos em nada se diferenciava do que se ouviu no Brasil inteiro a partir da campanha de 2018. Trabalhei também no Jornal dos Sem Terra, em 1986, conhecendo a realidade da vida das pessoas acampadas e em assentamentos em vários estados, e a importância da Reforma Agrária para tornar produtivas áreas imensas, conservadas apenas como reserva de valor por pessoas que se diziam “donas”.
A principal liderança da UDR, o médico Ronaldo Caiado, entrou para a política partidária e está hoje governador reeleito de Goiás. Nabhan Garcia, sucessor de Ronaldo Caiado na direção da UDR, foi secretário de Assuntos Fundiários do desgoverno federal (período 2019/2022).
Os demais dirigentes da UDR desapareceram do cenário. Uns e outros foram “substituídos” por parlamentares de extrema-direita tão belicosos quanto.
Todos os ataques contra o MST, da UDR e de seus aliados políticos, nesses quase 40 anos, não deram certo, pelo simples fato de que a absurda concentração de terra no Brasil está aí, firme e forte, e os milhões de trabalhadores sem terra, também, e ela e eles são a razão do MST existir.
Tomara que se consiga, a partir de mais essa tentativa da extrema-direita de criminalizar a luta pela terra, inverter a lógica e colocar na parede os mandantes, os assassinos e os devastadores ambientais, aumentando assim a pressão para que ocorra Reforma Agrária de verdade no Brasil, como fizeram os Estados Unidos e a China — coincidentemente os 2 maiores produtores de alimentos do mundo —, e acabando os latifúndios improdutivos e a impunidade dos latifundiários.
(*) Geógrafo