Os trabalhadores voltam para a agenda do governo
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Neste 1º de maio, o presidente Lula anunciou a nova política de valorização do SM (salário mínimo), resultado do acordo celebrado entre o governo federal e as centrais sindicais no âmbito do GT (Grupo de Trabalho) coordenado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.
Clemente Ganz Lúcio*
O Brasil implementou política de valorização do SM desde o Plano Real e a tornou permanente e regular a partir de 2004, fruto de negociações no primeiro governo Lula com as centrais sindicais. Esses acordos anuais foram materializados no governo da presidenta Dilma na Lei 12.328/11, renovada e em vigor até 2018. O governo Bolsonaro extinguiu essa política.
Desde 2004, a política de valorização do SM garantiu aumento real de mais de 78%1, já descontada a inflação. Do atual valor, cerca de R$ 5802, correspondem ao aumento real, o que incrementa anualmente em mais de R$ 400 bilhões a massa de rendimentos da economia.
Desde a instituição do SM no Brasil, em 1934, o critério definido em lei para indicar seu valor monetário é o de atender às necessidades vitais básica do trabalhador e da família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social. Sua principal função é proteger a renda do trabalho daqueles que estão na base da estrutura produtiva e da pirâmide salarial.
Nova política de valorização
O novo acordo celebrado com o governo contempla a essência da proposta que as centrais sindicais propuseram, construído depois de muito debate sobre os efeitos econômicos virtuosos e os impactos fiscais para o orçamento público. O acordo retoma a política de valorização anterior, ou seja:
• mantém o mês de janeiro como a data base do reajuste do SM.
• reajuste anual pela variação do INPC para repor o poder de compra.
• aumento real anual segundo o crescimento da economia correspondente à variação do PIB (Produto Interno Bruto). Neste caso, será usado a última variação definitiva do PIB divulgado pelo IBGE. Em janeiro de 2024 será aplicado a variação do PIB de 2022.
• a partir deste 1º de maio, o SM passou a valer R$ 1.320, aumento real de 2,81%, em relação ao SM de R$ 1.212.
Aplicada essa nova regra, estima-se que o SM em 1º de janeiro de 2024 será de aproximadamente R$ 1.430. Este valor considera reajuste estimado de 5,23%, percentual usado pelo governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024, adicionado o aumento real correspondente ao PIB de 2022 de 2,9%.
Em 1º de janeiro de 2024, o SM acumulará aumento real de 5,8%3, o que corresponde a cerca de R$ 80. Esse valor, aplicado aos 54 milhões que têm remuneração vinculada ao SM, gera massa salarial anual de cerca de R$ 55 bilhões na economia brasileira.
As centrais sindicais também apresentaram proposta para acelerar o aumento do SM e aproximá-lo mais rapidamente do valor necessário para cumprir os preceitos constitucionais de atender às necessidades básicas do trabalhador e da família. Primeiro, nos próximos 3 anos, implementar o aumento real não aplicado pelo governo anterior de 5,4%, e segundo considerar piso mínimo de aumento de 2,4% sempre que o PIB for menor que esse percentual.
Essa proposta considera que o aumento do SM é parte de estratégia de sustentação do crescimento econômico, porque amplia o consumo das famílias ao elevar o salário base da economia, aumenta a participação da renda do trabalho e enfrenta múltiplas formas de desigualdade.
Com a definição dessa nova política de valorização do SM as centrais sindicais pactuam, por meio da negociação com o governo federal e depois, com o Congresso Nacional, o maior acordo salarial do País, protegendo 54 milhões de trabalhadores, a maior parte sem a proteção direta de acordo ou convenção coletiva produzidas pelos sindicatos.
Importância da política de valorização
O SM tem funções fundamentais para o mundo do trabalho e para a economia como um todo. Em estudo produzido pelo Dieese4 estão destacadas as seguintes importantes funções do SM:
• protege os “perdedores da barganha salarial”, aqueles trabalhadores mais vulneráveis que, muitas vezes, contam com baixa proteção sindical decorrente das convenções coletivas de trabalho.
• combate a pobreza ao proteger a renda e as condições de vida dos trabalhadores mais vulneráveis, política que é potencializada quando articulada com os programas de transferência de renda e de combate à fome e à miséria.
• enfrenta a desigualdade salarial com impacto relevante para mulheres e negros/as que vivem múltiplas formas e situações de discriminação.
• baliza dos salários de ingresso no mercado de trabalho, com maior impacto para a remuneração dos jovens, especialmente quando iniciam a vida laboral.
• serve de referência para os baixos rendimentos do trabalho em geral, porque produz “efeito farol” para a remuneração dos trabalhadores de menor qualificação que estão no setor informal, os assalariados sem carteira assinada e os trabalhadores autônomos; produz o “efeito arrasto” das remunerações que se encontram entre o velho e o novo valor do SM; tem “efeito numérico”, para aquelas remunerações de autônomos e setor informal que se definem na relação com o valor do SM.
• organiza a escala de remunerações, equalizando os salários da base da pirâmide salarial, impactando a estrutura e a amplitude salarial (maior ou menor).
• inibe a rotatividade, impedindo o rebaixamento salarial.
• equaliza, dinamiza e fortalece o circuito econômico nas regiões com maior presença de trabalhadores com remuneração próxima ao piso mínimo.
• define piso para os benefícios da Previdência Social e outras políticas públicas de proteção de renda.
Além disso, política bem estruturada de valorização do SM proporciona consistência entre o crescimento do agregado econômico e a sua distribuição para a base salarial. Esse aumento da base salarial fica correlacionado ao incremento da produtividade e é levemente redistributivo. A previsibilidade sobre a formação dos custos do sistema produtivo a partir da base salarial é fortalecida com a antecedência devida e sem surpresas.
Projeta o incremento da massa salarial envolvendo mais de 54 milhões de trabalhadores, base para o consumo das famílias e indicador do potencial da demanda futura para toda a economia. Essa informação permite ao setor produtivo planejar e sustentar investimentos na produção para atender a demanda, o que contribui para a formação de círculo virtuoso de crescimento econômico de médio e longo prazo sustentado pelo investimento e pelo consumo.
Essa dinâmica virtuosa é incentivo às empresas para o investimento em inovação tecnológica, elementos essenciais — junto com a educação — para o incremento da produtividade do trabalho.
Orienta a formação da renda do trabalho de milhões de trabalhadores por conta própria, autônomos, cooperados, entre outros. Ao mesmo tempo, elevando a base salarial da economia, atua para diminuir as desigualdades entre os salários.
Sustentando o crescimento econômico, a política de valorização do SM, abre caminhos consistentes para a geração de bons empregos e postos de trabalho de qualidade.
A valorização da base salarial impacta as regiões com mais trabalhadores que recebem salários referenciados no SM como, por exemplo, as regiões Norte e Nordeste. Dessa forma, atua para reduzir as desigualdades territoriais e regionais.
Mulheres, negros e jovens são os que mais têm remuneração vinculada ao SM. Valorizá-lo é uma forma de combater as desigualdades de salário entre homens e mulheres, brancos e negros e dar proteção aos jovens que entram no mundo do trabalho.
Com esses efeitos benéficos para a dinâmica econômica e a vida em sociedade, política de valorização do salário mínimo é parte essencial de projeto de desenvolvimento econômico e socioambiental e ótimo instrumento para o Brasil promover transformações estruturais.
(*) Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor sindical, ex-diretor técnico do Dieese. Membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável)
1 Dieese, Nota Técnica 271 de janeiro de 2023 - https://www.dieese.org.br/notatecnica/2023/notaTec271salarioMinimo.html
2 Sem o aumento real o valor do SM seria de R$ 718.
3 Considerando R$ 2.212, a base e comparando-se com o valor estimado de R$ 1.430, depois de descontada a inflação do período.
4 “Salário Mínimo: instrumento de combate às desigualdades”, Dieese, São Paulo, 2010, disponível em www.dieese.org.br