Como perder um país
- Detalhes
- Categoria: Artigos
O perdão de Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), 1 dia depois da condenação pelo Supremo Tribunal Federal, leva o País ao limiar da anarquia institucional, seja qual for o desfecho de mais essa crise, calculada com o propósito de elevar a tensão entre os poderes, às vésperas da campanha eleitoral.
Cristina Serra*
O ato de Bolsonaro, antes mesmo do trânsito em julgado da sentença, afronta os magistrados, o STF, a democracia, a Constituição e o Estado de Direito. Bolsonaro está mostrando aos comparsas dele que o crime compensa e que podem contar com a proteção da maior autoridade do Executivo, disposta a esticar a corda e deixar que essa arrebente.
Bolsonaro age com método e estratégia para desmoralizar as instituições e incendiar o País. Engana-se quem acha que tudo vai se resolver, como num passe de mágica, com as eleições de outubro.
Chegaremos até lá? Já não está claro que a extrema direita tentará um golpe?
Só um impeachment poderia evitar a catástrofe no horizonte. Mas essa é esperança perdida. A indulgência cúmplice de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco legitima Bolsonaro no enfrentamento com o STF. Discute-se a decisão do presidente do ponto de vista de querela jurídica quando se trata, essencialmente, de questão política.
O procurador-geral da República, Augusto Aras? Foi visto flanando em Paris.
Tudo isso acontece num ambiente de degradação democrática do qual não escapa nenhum mecanismo institucional. A Lei Rouanet, destinada a fomentar a cultura, tornou-se instrumento de promoção do armamento da população. Autoridades sentem-se à vontade para zombar de quem foi torturado na ditadura, com declarações cínicas e desavergonhadas.
Quando se chega a esse ponto e tudo fica como está é porque a sociedade naturalizou o inaceitável, perdeu a capacidade de se indignar e de cobrar o mínimo de decência das instituições e das autoridades que as representam.
E é assim que se perde um país.
(*) Jornalista e escritora. É autora de “Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil”. Formada em jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Publicado originalmente na FSP 22/04/22.