A ocupação pelo centrão e o desembarque militar
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A aliança com o centrão só é uma contradição porque sua antítese era parte da espinha dorsal da campanha, que prometia o fim do chamado toma lá, dá cá. Também não há crime em interferir na sucessão da Câmara, mas apenas um risco que governos procuram evitar.
João Bosco Rabello*
Selada a aliança com o centrão, começará a etapa de entrega dos cargos, cujo efeito imediato será a redução da presença militar no governo. O desembarque deve começar pelo general Luís Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, mas no atacado alcançará muitos oficiais de menor visibilidade nos segundo e terceiro escalões.
Se for lamentado por alguns, o desembarque das “tropas” políticas não o será pela maioria da caserna. O centrão abre uma oportunidade para uma saída desejada por muitos, que não represente, no jargão militar, “bater em retirada”. Será uma saída “natural” justificada pela necessidade de uma aliança política que dê alguma base ao governo no Congresso.
Na realidade, o atual silêncio dos generais falantes na primeira etapa do governo diz muito de uma instituição que admitiu arriscar sua imagem na ilusão de ser sócia de uma empreitada na qual descobriu-se massa de manobra. Sai à francesa, com um misto de alívio e ressaca moral, sem o constrangimento da debandada, porém menor do que entrou.
O governo da campanha exitosa de Bolsonaro acabou com a prisão de Fabrício Queiroz no sítio do então advogado da família presidencial e consolidou-se com a exoneração de Sérgio Moro – menos pela saída e mais por sua motivação. Ali começou um governo com advogados de defesa – entre os quais, indevidamente a AGU – e a desidratação do discurso de combate à corrupção.
Em novembro, o comandante do Exército, general Edson Pujol, fez contundente crítica à politização das Forças Armadas, alertando a caserna para o limite de suas funções. “A instituição não pertence a governos e nem a partidos”, disse. Se antecipou a troca dos militares pelo centrão nos cargos de governo, chegou atrasado para evitar o desgaste de imagem.
Mesmo no período em que a vitória eleitoral de Bolsonaro se tornou concreta, a ideia de que representaria um atalho para a revisão da versão consolidada de 64, a partir do fracasso da esquerda no poder, não era consenso nas Forças Armadas. Afinal, se conspirou contra a hierarquia quando subordinado, não havia fundamento na ideia de submissão uma vez comandante em chefe das tropas.
Generais como Santos Cruz e Rego Barros, em momentos diferentes, viveram a desilusão de um governo em que os militares seriam sócios. Foram humilhados com fakes (o primeiro) e com indiferença (o segundo). Ambos viraram opositores – Cruz com sucessivas entrevistas críticas e Barros com artigos ácidos, de indisfarçável mágoa.
A troca pelo centrão ocorre quando o desgaste dos militares atinge seu auge na figura do general Eduardo Pazzuelo à frente do Ministério da Saúde, cujo desempenho é considerado patético. Justificado no cargo mais estratégico no combate à pandemia do coronavírus pelo conhecimento de logística, é flagrado na fase da vacina sem sequer seringas.
O cenário à frente, em que 2020 adentra 2021, não autoriza otimismo, o que explica o alívio majoritário nas Forças Armadas com a retirada. Não porque abandonarão sua missão constitucional de defesa da pátria ou porque farão menos. Simplesmente porque não serão mais responsabilizados pelos erros e acertos da política, com a qual não deveriam ter flertado.
A aliança com o centrão só é uma contradição porque sua antítese era parte da espinha dorsal da campanha, que prometia o fim do chamado toma lá, dá cá. Também não há crime em interferir na sucessão da Câmara, mas apenas um risco que governos procuram evitar. O investimento no centrão tem como ponto chave o comando da Câmara, o que não garantirá vida fácil ao governo em tempos apocalípticos.
Mesmo os mais íntegros políticos não se suicidam. Levam uma aliança até à beira do precipício, mas não pulam junto com o aliado.
(*) Jornalista. Publicado originalmente no saite Capital Político