Os pormenores da produção legislativa no Senado
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O prosseguimento dos trabalhos de uma comissão, ou do Senado Federal em si, depende muito mais de como seus membros se articulam entre si e de como lidam com crises externas.
Savanna Cavalcante*
Segundo o DIAP, o Congresso Nacional teve, em 2017, um dos piores desempenhos dos últimos 10 anos, tendo aprovado em torno de 170 propostas, dentre elas a Reforma Trabalhista. Uma das justificativas para tanto é o cenário de insegurança política que figura no País. No entanto, não é incomum que se questione a produtividade das casas legislativas no Brasil.
Um dos fatos que contribui para este questionamento, especialmente entre os envolvidos na área, é o fato de que, historicamente, deputados e senadores costumam falar ao fim do ano sobre a inabalável contribuição de suas comissões nos balanços anuais de trabalho, algo que para quem acompanha diariamente as atividades legislativas nem sempre é sentido.
Não é raro que ao se analisar as pautas e resultados da Câmara dos Deputados e Senado Federal, entre um dia e outro, ou a pauta tenha sido amplamente alterada e inúmeros projetos tenham sido excluídos, ou que as proposições, em sua grande maioria, tenham sido adiadas. Isto é recorrente. O regime de tramitação ordinária de projetos de lei é extenso e pode levar até 20 anos para ser concluído.
Todavia, não podemos deixar de considerar que a demora que acontece na tramitação de um projeto não se deve apenas ao processo regimental em si, como é afetado por uma série de fatores políticos que agilizam ou atrapalham seu andamento, sejam acordos dos próprios parlamentares, abalos políticos ou, ainda, o próprio calendário brasileiro.
Para além disso, é regimental que cada comissão adote seus próprios ritos de atuação, desde que seus membros estejam em comum acordo a respeito de como os trabalhos devem ser conduzidos. Desta forma, devemos pesar que uma comissão pudesse se reunir tanto mais de uma vez por semana, quanto passar meses sem reuniões deliberativas.
Para estudar o cenário político brasileiro no Senado Federal, o método escolhido foi selecionar comissões de inegável importância para a tramitação de diversas proposições para análise que compreendia desde o período das últimas eleições gerais, até o fim do último semestre de trabalho, em 2017. Frente a este critério, foram escolhidas as comissões de Assuntos Econômicos (CAE), e a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), visto o papel de destaque desses colegiados em matérias polêmicas. Cabe considerar aqui que, quanto à apuração de dados, o número de itens em pauta não corresponde ao número de itens em tramitação nas comissões. A contagem foi feita livremente.
No levantamento realizado, foi apurado que a CAE se reuniu apenas 6 vezes no segundo semestre de 2014, tendo deliberado acerca de 32 proposições (projetos de lei, requerimentos e outros). Neste mesmo período, a CCJ se reuniu 11 vezes, com deliberação de cerca de 80 proposições. No semestre seguinte, que compreende os meses de fevereiro a julho de 2015, a CAE teve cerca de 7 reuniões deliberativas, com deliberação de 38 proposições, ao passo que a CCJ se reuniu 12 vezes – desconsiderando reuniões exclusivamente destinadas às sabatinas e audiências públicas –, com deliberação de apenas 31 proposições.
Quando analisamos o período como um todo, como será demonstrado mais à frente, é esperado que em períodos eleitorais fosse reduzida a produção legislativa. No entanto, como demonstrado acima, o que vemos é uma redução ainda maior de deliberações na CCJ no período seguinte ao das eleições. A queda acentuada de quase 60% pode ser justificada pela alta de outros eventos, que não as sessões deliberativas. Notamos que em 12 de 15 reuniões, no primeiro semestre de 2015, as reuniões deliberativas foram marcadas pela eleição do presidente e vice-presidente e por sabatinas realizadas em consonância com as deliberações.
A partir do estudo do período de 2014 a 2017, temos que a CAE costuma ter melhor aproveitamento de suas reuniões que a CCJ, percentualmente. Mas em números brutos, vemos maior empenho da CCJ, com maior número de deliberações. A estatística traduz um costume adotado pela CCJ: suas pautas são gigantescas.
O problema de adotar uma pauta tão grande em uma comissão tal qual a CAE ou a CCJ é que nestes locais, especificamente, as proposições costumam ter uma discussão mais longa e ter seu corpo analisado de forma mais aprofundada. No segundo semestre de 2014, das 86 proposições pautadas pela CAE, 55 eram terminativas (última comissão que analisa um projeto que não vai ao Plenário). Na CCJ, das 284 proposições em pauta ao longo do semestre, 127 eram terminativas – que devem ser votadas nominalmente, o que dificulta sua apreciação, visto a necessidade de quórum.
Desta maneira, as pautas extensas tendem a não se realizar, o que pode derrubar os índices de aproveitamento como um todo, quando analisada a média de trabalho de cada comissão. Logo, enquanto o aproveitamento da CAE, entre julho e dezembro de 2014 foi de 38% (mesmo com a deliberação de apenas 32 proposições), a CCJ teve aproveitamento de cerca de 30% (80 de 284 proposições foram apreciadas), mesmo que em números tenha decidido maior número de proposições.
No período mencionado acima, a CAE era presidida pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), com vice-presidência do senador Sérgio Souza (MDB-PR). A CCJ elegeu para o período o senador Vital do Rêgo (MDB-PB) e Aníbal Diniz (PT-AC) como presidente e vice-presidente, respectivamente. Mas, ainda que os cargos sejam ocupados durante biênios, o comportamento nos anos seguintes é bastante similar, independentemente do parlamentar que ocupava a presidência das comissões.
A Comissão de Assuntos Econômicos foi presidida, sem seguida, por Gleisi Hoffman (PT-PR) no biênio 2015-2016, em substituição a Delcídio do Amaral (sem partido-MS), afastado da função parlamentar por envolvimento na Operação Lava-Jato, e teve como vice o senador Raimundo Lira (MDB-PB). Já a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania foi conduzida pelo senador José Maranhão (MDB-PB), presidente e José Pimentel (PT-CE), vice.
A CAE, atualmente é comandada pelos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Garibaldi Alves Filho (MDB-RN), presidente e vice-presidente, respectivamente. Já a CCJ, está sob a presidência de Edison Lobão (MDB-MA), e Antonio Anastasia (PSDB-MG), como vice-presidente.
E já que o número de itens em pauta é determinante nos cálculos de aproveitamento estatístico de uma comissão, não cabe aqui desconsiderar o número de itens adiados a cada reunião. Em análise que compreende do 2º semestre de 2014 até o 2º semestre de 2017, a CCJ chegou a somar 2621 itens adiados. A CAE teve em torno de 625 itens adiados, ao todo.
Desconsiderando os números e elevando os aspectos qualitativos das reuniões, podemos ver que, a maior tendência de adiamentos de projetos na CCJ tem como uma das causas prováveis o grande número de sabatinas e audiências públicas realizadas pelo colegiado, como aconteceu no 1º semestre de 2015.
Na CCJ, é comum que as reuniões sejam divididas em partes, as quais a 1ª parte é a sabatina de uma ou mais autoridades e a 2ª parte é a deliberativa, e vice-versa. O mesmo pode ocorrer com audiências públicas. Em dias cuja sessão deliberativa é menos importante em detrimento de outro evento programado pelos membros da comissão, é comum que o número de adiamentos cresça.
Por outro lado, também, foi possível notar que a CCJ tem número maior de reuniões ao longo do ano. Se por um lado nenhuma das comissões se reuniu em dias de jogos do Brasil na Copa de 2014, a CCJ continuou seus trabalhos quase normalmente durante as eleições do mesmo ano, enquanto a 1ª deliberativa, do semestre, da CAE só se deu em novembro daquele ano.
Já os números da CAE sobem substancialmente frente a algumas questões que passaram pela comissão. É o caso da reunião realizada em 6 de junho de 2017, cuja pauta contou com 97 itens, dos quais 86 foram deliberados pelos senadores. Destes 97, a maior parte dos itens eram requerimentos extra pauta – não constavam na pauta até o início da sessão – e tratavam da Reforma Trabalhista.
Em reuniões de debate tão especifico, é comum que a CCJ altere sua rotina de trabalho e se volte especificamente ao tema pautado pelo presidente da comissão. Sendo assim, apenas um item figura na pauta, podendo ele ser deliberado ou apenas discutido. Foi o caso do Novo Regime Fiscal, pautado em 9 de novembro de 2016.
A partir dos números acima, é inquestionável que, embora a CCJ tenha mais projetos adiados do que aprovados, a cada semestre, o colegiado, ainda sim, soma maior número de deliberações no período. Por outro lado, vemos que a CAE tem grande potencial para dar celeridade às tramitações do Senado, que fica inviabilizada diante do baixo número de reuniões por semestre.
Desde agosto de 2014, cerca de 3.440 itens (desconsiderando repetições em reuniões) foram colocadas em pauta na CCJ do Senado, das quais cerca de 1.802 (pouco mais da metade) eram terminativas na comissão. Na CAE, foram elencados nas pautas em torno de 1.314 itens ao longo dos últimos 7 semestres, dentre eles 458 eram terminativos.
De acordo com presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB-CE), como reportado pelo Portal da Casa, no Plenário do Senado Federal, até 14 de dezembro de 2017, foram votadas em torno de 257 proposições entre propostas de emenda à Constituição (PEC); medidas provisórias; projetos de lei e de resolução do Senado. Segundo ele, foi o maior número de projetos apreciados em Plenário desta década.
No entanto, apenas em 12 de dezembro foram pautadas 75 proposições no Plenário do Senado, das quais apenas 11 não foram votadas. Houve ainda deliberação de 2 requerimentos extra pauta. Muitas das proposições votadas nessa ocasião tratam da alteração de nomes de rodovias e inscrevem pessoas no Livro de dos Heróis da Pátria, e matérias semelhantes. As 64 proposições (exceto extra pauta) correspondem a 24% do trabalho do Plenário naquele ano.
Assim sendo, vemos que o fator determinante no andamento de proposições não necessariamente é o cenário político em si, nem mesmo sobre qual comissão estamos falando. O prosseguimento dos trabalhos de uma comissão, ou do Senado Federal em si, depende muito mais de como seus membros se articulam entre si e de como lidam com crises externas. A produtividade legislativa pode continuar, independentemente das guerras que acontecem porta a fora do Congresso Nacional, e não pode ser mensurada apenas por números. A qualidade do que é feito também é fundamental.
(*) Graduada em Ciência Política pela UnB, é assistente legislativa na Consultoria Política Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical
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Notas
1. Os itens contabilizados nas reuniões podem estar repetidos em várias sessões. O número de itens em pauta, portanto, não corresponde ao número de proposições em tramitação nas Comissões no período analisado.
2. Entre os itens adiados, estão contabilizados os itens adiados e retirados de pauta.
3. Não foram incluídas as sessões deliberativas canceladas.
4. Porcentagens com casas decimais sofreram arredondamento.