Análise de conjuntura: desafios da popularidade do Lula 3
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- Categoria: Agência DIAP
Em palestra sobre a conjuntura nacional, realizada em 25 de março de 2025, no Sindicato dos Bancários de Brasília, durante o evento “Diálogos DIAP”, pude discutir sobre os desafios complexos, tanto no cenário nacional quanto internacional, com reflexos sobre o governo do presidente Lula (PT).
Antônio Augusto de Queiroz*
São desafios que geram mau humor, insatisfação, descontentamento, irritação e até desafeto coletivo em relação a aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais do País, o que contribui para a queda na popularidade do governo.
Entre os principais aspectos abordados, destaquei o conceito sobre a armadilha crítica, o extremismo político, a falta de regulamentação das redes sociais e fintechs, além das supostas falhas governamentais na coordenação política, na gestão econômica e na comunicação do governo.
“Armadilha da crítica”
Primeiramente tratei do significado da “armadilha da crítica”, que conceitualmente pode ser definida como estratégia que busca deslegitimar adversários, com críticas excessivas, improdutivas ou desequilibradas, que cria ambiente polarizado e conflagrado com efeitos paralisantes.
Quando aplicada à política, tem o poder de enredar governos numa armadilha de crítica sistemática, que dificulta a implementação de políticas e a construção de imagem negativa, levando a ciclo de descrença e apatia, em que as pessoas passam a ver todas as instituições como corruptas ou ineficazes, sem enxergar as possibilidades de mudança.
A “armadilha da crítica” corresponde ao inverso da crítica construtiva. Enquanto a crítica construtiva visa promover transformação, reflexão produtiva ou melhorias, a armadilha da crítica atua como obstáculo ao progresso ou a ação. Ou seja, no caso do governo, qualquer medida adotada, independentemente de seus méritos ou impactos positivos, é alvo de questionamento e interpretações negativas, que cria cenário de desconfiança e dificuldades para a construção de visão favorável ao governo, mesmo quando as políticas visam atender demandas urgentes da população.
Um dos principais obstáculos à popularidade
A armadilha da crítica é um dos principais obstáculos à popularidade do governo Lula. Essa se manifesta em ciclo vicioso no qual as iniciativas governamentais são sempre interpretadas de forma negativa, sem objetivo de contribuir para seu aperfeiçoamento, mesmo quando essas ações governamentais buscam beneficiar a população.
Exemplos recentes ilustram essa dinâmica.
A renúncia do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5 mil, apesar de beneficiar milhões de trabalhadores de baixa e média renda, foi criticada por analistas econômicos e parte da mídia, que a consideraram “irresponsável” do ponto de vista fiscal.
A ampliação do Programa Vale-Gás, apesar do impacto positivo na qualidade de vida das famílias mais pobres, foi vista como risco ao equilíbrio fiscal, ignorando o caráter social dessa política pública.
A liberação de recursos do FGTS para demitidos, que visa aliviar a situação financeira de milhares de trabalhadores, foi criticada por supostamente estimular o consumo de forma inflacionária.
A limitação de juros para o consignado dos trabalhadores do setor privado, tal como já ocorre com os servidores públicos, tendo como garantia verbas do FGTS ou indenizatórias. Essa medida, que reduz os juros de consignados para enorme massa de trabalhadores, também foi criticada pelos opositores sob o fundamento de que amplia o endividamento das famílias e alimentar o consumo, gerando inflação.
A zeragem dos tributos na importação de alimentos e a redução de impostos da cesta básica, apesar de buscarem reduzir o custo de vida, foram consideradas “populistas” e insuficientes para resolver problemas estruturais.
Essa lógica de crítica reflete tensão histórica entre 2 visões de política econômica: a austeridade fiscal, que prioriza o controle rígido dos gastos públicos, e o bem-estar social, que busca reduzir desigualdades e melhorar as condições de vida da população. O governo Lula, ao adotar medidas alinhadas com a segunda visão, enfrenta resistência de setores que priorizam a austeridade, o que gera ciclo de críticas que dificulta a construção de mensagem positiva.
Comunicação eficaz, diálogo e foco em resultados
Enfrentar essa realidade não é tarefa fácil. Exige adotar estratégias que combinem comunicação eficaz, diálogo com setores críticos, foco em resultados concretos e enfrentamento dos desafios estruturais.
Em segundo lugar, abordei o extremismo político, que tem ganhado força em diversos países, polarizando e fragmentando as sociedades, que dificulta a governabilidade.
No Brasil, esse fenômeno, liderado pela extrema-direita bolsonarista e seus aliados, incluindo setores da mídia, do sistema financeiro e do agro, que consideram adversários como inimigos políticos a serem eliminados, divide a sociedade e interdita o diálogo.
Essa divisão, baseada em desinformação e fake news, limita a capacidade de diálogo do governo e a construção de consensos, o que dificulta a implementação de políticas públicas e aumenta a rejeição ao governo por parte de setores conservadores ou radicais.
Para enfrentar essa realidade, é fundamental estabelecer mecanismos institucionais que:
1) distingam o que é liberdade de expressão e o que é agressão e prática de crime;
2) definam marcos legais que responsabilizem civil e penalmente pessoas que pratiquem ou financiem movimentos extremistas ou antidemocráticos; e
3) dê condições à Polícia Federal, ao Judiciário e ao Ministério Público e aos demais órgãos de fiscalização e controle para que denunciem e punam adequadamente essas condutas e práticas.
Conscientização e educação política
Sem conscientização e campanhas de educação política, assim como sem a mão pesada do Estado, que detém o monopólio de impor regras de conduta e punir seu descumprimento, essas forças retrógradas e antidemocráticas tendem a ser majoritárias no País e no mundo.
Regulamentação das redes sociais
Em terceiro lugar, discorri sobre a falta de regulamentação adequada, das redes sociais, que deveriam ser instrumento para interação digital em tempo real, democratização do acesso à informação e troca de ideias e experiências instantâneas entre indivíduos e grupos, independentemente de fronteiras geográficas, têm sido manipuladas para:
1) sabotar a democracia e governos progressistas, mediante campanha de ódio e disseminação de desinformação e fake news;
2) apropriar-se de dados privados para monetizá-los em benefício, exclusivamente, de donos das plataformas digitais;
3) enriquecer influenciadores digitais e oportunistas com grande número de seguidores, incluindo políticos; e
4) promover transações financeiras sem controle estatal, especialmente da jogatina e do crime organizado, como tem sido o caso das bets e criptomoedas e fraudes de todo tipo.
A decisão das plataformas de suprimir a moderação de conteúdos tem facilitado a propagação rápida de informações falsas e discursos prejudiciais, o que representa ameaça direta à democracia, à coesão social e à confiança nas instituições.
Se antes a regulamentação das plataformas e redes sociais já era necessária, o alinhamento dessas ao governo Donald Trump torna essa regulamentação imperativa.
Liberdade de expressão
Como democratas, devemos reconhecer que a liberdade de expressão é o pilar fundamental da democracia, pois permite a livre circulação de ideias, o debate público e a crítica ao poder.
No entanto, esse direito não é absoluto e deve ser harmonizado com a necessidade de combater discursos de ódio, incitações à violência e à disseminação deliberada de desinformação.
A regulamentação não deve ter a finalidade de censurar conteúdos nem prejudicar a liberdade de expressão e o direito à informação, mas de exigir transparência, respeito à democracia e o compromisso com a verdade, além de estimular a educação digital como forma de facilitar a identificação e combate à desinformação e fake news, assim como incentivar o uso das redes sociais de forma crítica e responsável.
Regulamentação
Portanto, a regulamentação, além de priorizar a soberania de dados, mediante a sujeição à lei e aos regulamentos do País que o produziu, deve ter por finalidade:
1) Dar transparência aos algoritmos, ou seja, exigir que as plataformas expliquem como funcionam seus sistemas de recomendação e moderação de conteúdos, como forma de evitar manipulação e vieses;
2) Enfrentar a desinformação e as fake news, mediante a criação de mecanismos para identificar e remover conteúdos falsos, além de penalizar quem os produz, financia ou dissemina;
3) Combater à sonegação fiscal via fintechs e plataformas financeiras, obrigando-as a cumprir as mesmas regras do sistema bancário para evitar lavagem de dinheiro e o financiamento de atividades ilegais;
4) Proibir o anonimato de quem produz ou compartilha textos e vídeos pessoais ou de terceiros;
5) Tornar obrigatória a imediata exclusão de conteúdos fraudulentos nas redes sociais, que induzam o usuário a ser vítima de golpes; e
6) Garantir a propriedade de dados ao seu titular, a pessoa física ou jurídica, condicionando seu uso comercial à autorização explícita e remuneração pela utilização.
Governo Lula 3
Por fim, tratei das falhas na coordenação política, na gestão e na comunicação do governo, que existem e precisam ser corrigidas, mas considerando o desempenho na economia, o que foi aprovado no Congresso nesses 2 anos e a realização de campanhas publicitárias, é preciso leitura mais acurada sobre estes aspectos.
Em relação à coordenação política, indaguei sobre onde falhou o governo do presidente Lula se ele aprovou todas as iniciativas nesses 2 anos, apesar de Congresso hostil ao seu programa de governo?
Vamos aos exemplos: o governo conseguiu aprovar a PEC da Transição, que substituiu o teto de gasto pelo arcabouço fiscal; a MP de reestruturação do governo, com a recriação dos espaços de diálogos, como o Conselhão; a lei de aumento real do salário mínimo; recriou os programas sociais, inclusive ampliando o farmácia popular; recuperou parte do controle do Orçamento federal, que estava sob o controle quase exclusivo dos presidentes da Câmara e do Senado; aprovou reajuste para os servidores e conseguiu votar a Reforma Tributária.
Além disso, o governo vai conseguir aprovar a Lei de Cotas — projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) — que aguarda aprovação conclusiva do Senado, após ter sido modificado pela Câmara, assim como vai ampliar o limite de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil.
Gestão de governo
Também questionei onde teria falhado o governo na gestão, se houve ampliação dos serviços públicos, reposição de quadros e aumento do PIB, da renda, dos empregos e dos investimentos? O câmbio, os juros e a inflação só não estão mais baixos por conta do boicote dos reguladores detentores de mandato do governo anterior no Banco Central e nas agências reguladoras, que estimularam a especulação com o dólar sem qualquer intervenção e criaram a tarifa vermelha de energia, sem que os reservatórios estivessem em situação crítica.
Quanto à comunicação, embora se reconheça que poderia ter sido melhor, inclusive com maior valorização do digital e campanhas descentralizadas e regionalizadas, lembrei que o governo Lula 3, por exemplo, relançou vários programas sociais, promoveu campanhas para anunciar esses programas e pacificar o País, porém a armadilha da crítica interditou o debate e impediu que as pessoas vissem e reconhecessem essas realizações.
O governo federal, com a identidade de “União e Reconstrução”, já conduziu 4 campanhas publicitárias de grande impacto, cada uma com slogan distinto e com objetivos estratégicos específicos.
A ordem das campanhas reflete as principais realizações e desafios enfrentados pelo governo até o momento, conforme segue.
1) O Brasil Voltou: A primeira campanha teve como foco o retorno de importantes programas sociais e de saúde que haviam sido reduzidos ou encerrados em governos anteriores, como Campanha de Vacinação, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, Brasil Sorridente e Farmácia Popular. Essa campanha reforçou a mensagem de que o governo estava restaurando direitos e serviços essenciais para a população.
2) Brasil no Rumo Certo: A segunda campanha, com o slogan “Brasil no Rumo Certo”, teve como objetivo promover os avanços estruturais do programa governamental. Entre os destaques, estavam os investimentos em cultura e a retomada do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a aprovação da Reforma Tributária, a alteração na política de preços da Petrobras e o reajuste do salário mínimo acima da inflação. Essas medidas simbolizam o progresso econômico e social almejado pelo governo.
3) O Brasil é um só povo: Esta campanha visava à despolarização política e social do Brasil, com incentivo à união nacional. Em momento de intensa divisão ideológica, a mensagem era clara: promover a paz social e resgatar a coesão entre os brasileiros, mostrando que, apesar das divergências, o Brasil é uma Nação única e forte.
4) Fé no Brasil: A quarta campanha, “Fé no Brasil”, foi desenhada para inspirar confiança e otimismo em meio às dificuldades enfrentadas pelo País. A mensagem central era de que, mesmo diante de desafios econômicos e sociais, o governo e a população mantinham a confiança de que as coisas iriam melhorar, refletindo a resiliência e a esperança do povo brasileiro.
Nenhuma destas foi capaz de produzir os resultados esperados em termos de apoio popular ao governo. O fato de terem tido curta duração pode explicar, mas não justifica. Há algo mais consistente impedindo que a mensagem chegue ao conjunto da população, e isso é explicado pela teoria da armadilha da crítica.
“Volta por cima”
Agora, após a troca do chefe da Secom, o governo está organizando outra campanha sob o slogan “volta por cima”, para mostrar as realizações do governo.
A conclusão é que a reversão da perda de popularidade, num ambiente dividido e fragmentado como o atual, no qual o debate se encontra interditado, não é tarefa fácil. Entretanto, isso poderá ser facilitado porque já venceu o mandato do principal adversário do governo no Banco Central e dos dirigentes de agências reguladoras com capacidade de dificultar a vida do Poder Executivo, o que afasta adversários que boicotam o governo por dentro.
Além disso, é preciso reconhecer que os temas que poderiam criar grandes problemas, como a eleição municipal de 2024, a eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, a votação da Reforma Tributária, transcorreram com naturalidade, que sinaliza que o governo tem atuado institucionalmente de modo adequado.
Registre-se, também, que o governo já fez muitas entregas e tem muitas por fazer, e a prioridade é atender demandas e transmitir esperança e confiança ao povo, pois se depender do apoio da mídia, de setores do sistema financeiro e do agro estará liquidado.
Superar a queda de popularidade
Assim, do ponto de vista interno, embora existam outros problemas a serem superados, o governo tem condições objetivas para superar a queda de popularidade.
O risco real é externo e tem a ver com o imprevisível governo Donald Trump. Se ele decidir atacar o País em razão da regulamentação das big techs ou resolver assumir a defesa de Bolsonaro frente à provável condenação pelo Supremo Tribunal Federal, aí, sim, teremos grandes problemas pela frente, que tem potencial para desorganizar a economia.
Nunca é demais lembrar que a oposição extremista, embora acuada com a possível condenação de seu principal líder e o fracasso em reunir apoiadores no ato de 16 de março, está viva e com forte apoio dos setores saudosos do neoliberalismo, da ausência de fiscalização trabalhista e ambiental, dos dividendos generosos das estatais, e das privatizações, além da transferência de serviços para exploração pelo setor privado com o objetivo de lucro.
Como se vê, o governo está diante de realidade perversa, em que todas as mazelas, como o endividamento das famílias, inclusive em razão do vício de jogos de azar, os problemas de corrupção e de falta de segurança, com as pessoas sendo assaltadas, com a retirada de seus celulares à luz dia, são atribuídas ao governo federal.
Portanto, para assegurar a continuidade na próxima eleição, é preciso enfrentar os problemas estruturais e conjunturais apontados, melhorar a comunicação e promover a regulamentação das redes sociais, além de tomar medidas efetivas no combate à corrupção e ao enfrentamento da violência, pois a questão de segurança pública, embora não seja responsabilidade direta do governo federal, é fator central da perda de popularidade do governo Lula.
(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV). É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado e do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República - Conselhão. Idealizador da publicação “Os ‘Cabeças’ do Congresso”, é autor do livro “Para entender o funcionamento do governo e da máquina pública”.