O PIX e a “mãe de todas as batalhas”: a da comunicação
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- Categoria: Agência DIAP
A mentira ou fake news com propósito de combater o inimigo ou adversário político não é novidade. Isto sempre existiu. A novidade de fato é o modo, hoje, como se propaga a mentira. Por meio “internético”, on-line: rápido, mais que a velocidade da luz, aos borbotões e sem espaço para a defesa ou o contraditório. Uma vez jogada nas redes, não é mais possível parar ou combater, com eficácia.
Marcos Verlaine*
A batalha da comunicação, neste momento histórico, é a “mãe de todas as batalhas”. Ou o governo e o pensamento progressista entendem isso, de uma vez por todas, ou as eleições de 2026 serão favas contadas e teremos que entregar, de mão beijada, o que custou caro para reconquistar — o governo e a liberdade.
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“Nas sociedades modernas, a economia capitalista é a mãe de todas as coisas e, nessa mesma medida, também, é a verdadeira ‘mãe de todas as batalhas’”, escreveu Robert Kurz1. Neste momento histórico, é possível parafrasear Kurz, e dizer que a comunicação entrou nesse nível de excepcionalidade.
O bolsonarismo, o fascismo à brasileira, não tem ganhado essa batalha do governo e da esquerda — a da comunicação — apenas porque tem sido mais competente, nesse quesito. Tem ganhado porque existe vácuo deixado pelo governo e a esquerda.
E como bem se sabe, em política não há vácuo. Se não ocupa, alguém ou algo ocupa. Isto é o básico...
Esse rumoroso e recente caso do PIX é emblemático. O governo não apenas recuou. Na verdade, capitulou. Jogou a toalha. Mas antes de escrever sobre como poderia ter evitado esse revés é preciso esclarecer do que se tratava a norma editada pela Receita Federal.
Norma da Receita não taxava o PIX
O reforço na fiscalização de transferências via PIX e cartão de crédito não significava criação de impostos, esclareceu a Receita Federal, tardiamente. Em comunicado, o Fisco desmentiu informações falsas que circularam nas redes digitais nos últimos dias sobre cobrança de imposto para transferências digitais. Mas aí já era tarde.
A principal mudança, antes de o governo recuar, foi a extensão do monitoramento de transações financeiras às transferências via PIX que somavam, pelo menos, R$ 5 mil por mês, para pessoas físicas, e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
Além das transações por meio de PIX, esses limites também valeriam para as operadoras de cartão de crédito e as instituições de pagamento, como bancos digitais e operadoras de carteiras virtuais.
Essas deveriam notificar à Receita operações cuja soma mensal ultrapassasse esse teto. Os bancos tradicionais, as cooperativas de crédito e instituições que operam outras modalidades de transações já tinham de informar à Receita sobre esses valores.
Como se vê, não havia nada de taxação pelo uso da modalidade PIX de movimentação financeira. O governo não se antecipou, depois teve de correr atrás. E não dá para “correr atrás” de fake news, porque o desmentido, em geral, nunca alcança a mentira, que “navega” nas redes e nas ruas infinitamente mais rápido.
Ação do governo
O que o governo poderia ter feito para evitar essa confusão, que gerou bilhões em prejuízos? Para começar, antes de editar e divulgar a instrução normativa da Receita Federal do Brasil poderia ter anunciado, por meio de cadeia nacional de rádio e TV, do que se tratava a nova norma para transações por meio do PIX, editada pela RFB.
Com explicação didática e simples teria usado o instrumento que está disponível para o governo, sempre que precisa. Não o fez e preferiu “correr atrás” das fake news da extrema-direita, que não foi feita para ajudar a população, como propagam.
O objetivo era convulsionar o governo e criar muita confusão na cabeça do povo e, por conseguinte, gerar muitos prejuízos financeiros, a fim de jogar a culpa no governo. Conseguiram, porque o governo deixou vácuo.
Que fazer daqui em diante
Primeiro, definitivamente profissionalizar a comunicação, por meio da Secom, agora sob nova direção. Porque a comunicação é “arma” ou instrumento político. Não se trata de tecnicidade.
Segundo, a partir dessa experiência, a cada a questão relevante do governo, preparar, minuciosamente, a comunicação sobre a ação do governo, nos meios tradicionais — rádio, TV e jornais — e, principalmente, nos meios digitais.
De forma didática e esclarecedora, de modo a não deixar margens para manipulações, como fizeram agora com o PIX, e, também, outrora, com o projeto dos motoristas com plataforma.
Que isso sirva de lição e exemplo para, definitivamente, o governo e a esquerda saírem da comunicação analógica, e entrarem, de cabeça, na digital.
A batalha não está perdida, mas é preciso, por parte do governo, começar ontem este ajuste.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
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1 Nascido em 1943, morto em julho de 2012, estudou filosofia, história e pedagogia. Viveu em Nuremberg como publicista, autor e jornalista. Foi cofundador e redator da revista teórica EXIT! - Kritik und Krise der Warengesellschaft (EXIT! - Critica e Crise da Sociedade da Mercadoria). A área dos trabalhos dele abrangeu a teoria da crise e da modernização, a análise crítica do sistema mundial capitalista, a crítica do iluminismo e a relação entre cultura e economia. Publicou regularmente ensaios em jornais e revistas na Alemanha, Áustria, Suíça e Brasil. O livro O Colapso da Modernização (1991), também, editado no Brasil, tal como O Retorno de Potemkin (1994), Os Últimos Combates (1998) e Blutige Vernunft (Razão Sangrenta), em 2004, provocou grande discussão e não apenas na Alemanha. Publicou, também, entre outros, Schwarzbuch Kapitalismus (O Livro Negro do Capitalismo), em 1999, Marx Lesen (Ler Marx), em 2000, Weltordnungskrieg (A Guerra de Ordenamento Mundial), em 2002, Die Antideutsche Ideologie (A Ideologia Anti-alemã), em 2003, Das Weltkapital (O Capital Mundial), em 2005, e Geld Ohne Wert (Dinheiro Sem Valor), em 2012, este último já editado em português.