Proposta de novas regras para troca de administrador de fundo de pensão
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- Categoria: Agência DIAP
Novas regras para troca de fundo de pensão administrador de plano previdenciário
Até 2017, as transferências de gestão não eram regulamentadas pelo órgão regulador, o CNPC (Conselho Nacional de Previdência Complementar), não havendo critérios que norteassem a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) na autorização dessas operações. Hoje, essas são regulamentadas na Resolução CNPC 51/22 e na Resolução Previc 23/23.
Luciano Fazio*
O regramento atual, contudo, não protege adequadamente os participantes1 do plano de benefícios objeto da transferência. Em particular, eles:
Não têm qualquer participação na decisão, que é prerrogativa exclusiva do patrocinador (ou instituidor) do plano previdenciário; e
Na EFPC de destino, não é garantida a manutenção do poder de decisão dos participantes no tocante à administração do plano previdenciário conquistado na EFPC de origem, incluindo a aprovação de possíveis alterações das regras dos benefícios e contribuições. Não raramente, na entidade de origem, os participantes obtiveram avanços sobre a legislação, que atribui aos representantes dos patrocinadores e instituidores a palavra final nas votações dos órgãos deliberativos do fundo de pensão, por exemplo. A perda desses “direitos políticos” tende a prejudicar a própria manutenção dos direitos previdenciários dos participantes, garantida somente no processo da transferência de gestão do plano, que veda mudanças do regulamento2. Com efeito, tão logo transferido, o regulamento do plano pode sofrer alterações, aprovadas com base em regras de governança desvantajosas para participantes, quando comparadas com a EFPC de origem. Ou seja, uma vez realizada a transferência, à perda dos “direitos políticos”, pode seguir também a dos direitos previdenciários dos participantes.
Considerando que o Estado tem a missão de defender os interesses dos participantes do plano de benefícios, conforme disposto expressamente no artigo 3º da Lei Complementar 109/01, carece aprimorar a Resolução CNPC 51/22, com os seguintes objetivos:
1. A defesa dos direitos e os interesses dos participantes do plano de benefícios, incluindo a manutenção das conquistas de governança na EFPC de origem;
2. A participação do segmento dos participantes na decisão acerca da transferência de gerenciamento do plano previdenciário, hoje de competência exclusiva do patrocinador (ou instituidor) do plano de benefícios;
3. O cuidado para não ‘engessar’ as transferências de gerenciamento dos planos previdenciários com regras excessivamente rígidas;
4. O incentivo à negociação entre o/s patrocinador/es e o conjunto de participantes, para satisfazer minimamente os interesses das 2 partes;
5. O cumprimento por parte do patrocinador (ou instituidor) e da EFPC de destino de todas as obrigações previdenciárias assumidas em reestruturações societárias, programas de desestatização, acordos e convenções coletivos de trabalho, bem como acordos e sentenças judiciais, mesmo que tais compromissos não constem no regulamento do plano previdenciário.
Propostas para o melhoramento da Resolução CNPC 51/22:
Proposta 1: Para ser submetida à apreciação da Previc, a transferência de gerenciamento do plano previdenciário solicitada pelo patrocinador (ou instituidor) deverá ser acompanhada pela comprovada aceitação da maioria dos participantes vinculados ao plano de benefícios.
Justificativa: as leis complementares 109/01 e 108/01 são omissas quanto a quem couber a decisão da transferência de gestão do plano previdenciário. No entanto, em 2017 e 2022, o CNPC — de forma discricionária — atribuiu essa prerrogativa exclusivamente ao patrocinador (ou instituidor), impedindo quaisquer interferências dos participantes.
Assim, a atual norma regulamentadora está em desconformidade com a premissa geral da legislação da previdência complementar fechada, pela qual o plano de benefícios deve ser administrado conjuntamente por representantes dos patrocinadores e dos participantes, visando o equilíbrio no atendimento dos interesses das partes.
De acordo com a Proposta 1, a transferência ocorrerá somente com a concordância do patrocinador (ou instituidor) e da maioria dos participantes.
Proposta 2: Antes da consulta dos participantes de que trata a Proposta 1, o site da entidade de origem disponibilizará informações a respeito do custeio administrativo dos fundos de pensão de origem e de destino, fornecidas pelo patrocinador (ou instituidor). Em particular:
1. As despesas administrativas consolidadas das entidades de origem e de destino ocorridas nos últimos 3 exercícios, em termos tanto absolutos quanto proporcionais ao patrimônio dos planos previdenciários administrados;
2. Simulações do valor das despesas administrativas da entidade de origem e de destino para operar o plano previdenciário para os 5 anos seguintes à data atual, devidamente discriminadas por tipo, tais como: investimentos, consultorias, pessoal, entre outros.
Nessa divulgação, deverá constar também parecer do conselho fiscal da entidade de origem sobre a qualidade dessas informações e simulações.
Justificativa: Para subsidiar a decisão de transferência de gerenciamento, cabe avaliar a eficiência administrativa da entidade de destino em relação à entidade de origem. Para tanto, há de se comparar as atuais e futuras despesas administrativas consolidadas das EFPC de origem e de destino.
Ainda, considerando que o patrocinador (ou instituidor) não está submetido à supervisão e fiscalização da Previc, podendo — em tese — apresentar informações incorretas ou incompletas, há de se prever crítica de tais informações por parte do conselho fiscal da entidade de origem, que alertará o público de eventuais inconsistências e imprecisões.
Proposta 3: O patrocinador (ou instituidor) proponente da transferência deverá apresentar quadro comparativo das estruturas e regras de governança na EFPC de origem e na EFPC de destino, a ser divulgado no site da Entidade de origem, antes do início do período de consulta dos participantes de que trata a Proposta 1. Tal comparativo será acompanhado por parecer crítico do conselho fiscal da entidade.
Justificativa: para garantir o caráter fidedigno e completo das informações que o patrocinador (ou instituidor) fornecer sobre a governança das EFPC de origem e de destino, a entidade de origem, além de divulgá-las, deverá apresentar também as críticas do Conselho Fiscal, para subsidiar adequadamente a avaliação dos participantes.
Proposta 4: Ao comunicar a intenção de transferência de gerenciamento do plano previdenciário à EFPC de origem, o patrocinador (ou instituidor) deverá apresentar estudos identificando as alterações das estruturas e regras de governança necessárias no Estatuto da EFPC de destino, para evitar que os patrocinadores ou os participantes do plano percam poder nas decisões e nos controles do plano de benefícios. O site da EFPC de origem deverá divulgar tais estudos, antes do início da consulta dos participantes de que trata a Proposta 1, acompanhados por parecer crítico do conselho fiscal.
Justificativa: no “Guia Previc - Melhores Práticas em Licenciamento”, de 2012, é recomendada a elaboração de estudos acerca dos ajustes na governança da EFPC de destino para que a operação atenda aos interesses dos patrocinadores e dos participantes. Veja-se:
90 - Um dos riscos identificados na transferência de gerenciamento é o de governança, uma vez que os participantes ou o próprio patrocinador podem não se sentir representados da mesma forma na EFPC de destino.
91 - Esse risco deverá ser mitigado por meio de elaboração de estudos, com o objetivo de verificar a possibilidade e a necessidade de eventuais alterações estatutárias da EFPC de destino, para atender aos interesses das partes. Na impossibilidade de ajustes, o patrocinador ou instituidor deve verificar a viabilidade da operação antes de a EFPC submetê-la à aprovação da Previc.
Esses estudos colocarão a alteração das estruturas e regras de governança da entidade de destino na agenda dos debates das partes interessadas. A manifestação do conselho fiscal deverá evitar que a eventual parcialidade desses estudos manipule a decisão dos participantes.
Proposta 5: Por 5 anos contados a partir da data da realização da transferência de gerenciamento, o patrocinador (ou instituidor) do plano de benefícios não poderá dar início a processos de retirada de patrocínio do plano objeto da transferência.
Justificativa: A Previdência trabalha com horizonte temporal de médio e longo prazos. Por isso, o patrocinador ou instituidor que propuser a transferência de gerenciamento do plano de benefícios deve se comprometer com a manutenção do plano no curto prazo. A Proposta 5 visa evitar que a transferência de gerenciamento se torne mero expediente para facilitar a retirada de patrocínio do plano de benefícios.
Proposta 6: Por 5 anos contados a partir da data da efetiva transferência de gerenciamento, alterações do regulamento do plano de benefícios só serão admitidas com o consentimento da maioria dos participantes do plano. Essa limitação não alcançará as alterações exigidas pelos órgãos regulador e fiscalizador do sistema.
Justificativa: nos primeiros anos após a transferência para a EFPC de destino, os participantes do plano previdenciário não terão representantes nos órgãos de governança, onde já há representantes dos participantes, vinculados a outros planos previdenciários. A falta de representação dos participantes “transferidos” para a entidade de destino dificulta a defesa de seus interesses específicos e a Proposta 6 visa mitigar tal dificuldade.
Proposta 7: No Convênio de Adesão3 a ser assinado pelo patrocinador (ou instituidor) e a EFPC de destino, entre outros direitos e obrigações, deverão constar todos os compromissos do patrocinador (ou instituidor) e/ou da EFPC de origem relativos ao plano previdenciário em programas de desestatização, operações de reorganização societária, acordos ou convenções coletivas, processos administrativos, bem como acordos e sentenças judiciais, se existirem.
Justificativa: cabe evitar que os compromissos patronais ou da EFPC de origem relacionados ao plano previdenciário, que não constarem no regulamento do plano, sejam descumpridos na EFPC de destino. O Convênio de Adesão é o instrumento adequado para explicitar esse tipo de obrigação.
(*) Matemático pela Università degli Studi de Milão e pós-graduado em Previdência Social e Gestão de Fundos de Pensão pela FGV. Trabalha com consultoria e formação nas áreas de economia e Previdência e é consultor externo do Dieese para assuntos previdenciários. Autor dos livros “O que é Previdência Social”, Loyola, 2016, e “O que é Previdência do Servidor Público”, Loyola 2020.
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1 Neste texto, o termo ‘participantes’ se refere aos inscritos no plano previdenciários, tanto os ainda na fase contributiva, quanto os já na fase de recebimento do benefício de prestação continuada (assistidos).
2 O regulamento do plano de benefícios é o conjunto de dispositivos jurídicos que definem as condições, direitos e obrigações do participante, do patrocinador (ou instituidor) do plano de benefícios.
3 Instrumento complementar ao regulamento do plano previdenciário. Formaliza e detalha a relação contratual entre o patrocinador (ou instituidor) e o fundo de pensão administrador, explicitando direitos e obrigações das partes.