Poucas vezes na história do País, o Supremo Tribunal Federal teve papel tão crucial na proteção do Estado Democrático de Direito, ao assegurar a guarda da Constituição e evitar que direitos individuais sejam sacrificados pela vontade de maioria ocasional, como nos últimos anos.

Antônio Augusto de Queiroz*

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Fachada da Corte Suprema, em Brasília | Foto: Reprodução

Acusado de ativismo judicial, na maioria das vezes, o STF não fez mais do que exercer o controle de constitucionalidade, ao aplicar os princípios constitucionais que asseguram os direitos fundamentais e promovem a dignidade da pessoa humana. Afinal, a Constituição é a maior força normativa do ordenamento jurídico e não simples carta de intenções.

Em sociedades polarizadas e fragmentadas como a brasileira da atualidade, na qual a opinião pública se forma sem qualquer controle ou mediação, muitas vezes influenciada por algoritmos, levando à formação de maiorias efêmeras ou transitórias, o papel do Supremo funcionando como poder contramajoritário é fundamental para a paz social.

A opinião pública, moldada por redes sociais e pela influência digital, pode ser volátil e susceptível às manipulações rápidas e intensas, o que cria cenário onde decisões precipitadas e extremas podem ser tomadas, ameaçando os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

A mudança de paradigma na interpretação da ordem jurídica pelo STF vem desde a promulgação da Constituição de 1988. O exercício pela Corte do sistema de freios e contrapesos, inclusive com a dimensão contramajoritária, se expressa em decisões que contrariaram a maioria da sociedade, o Parlamento e o Poder Executivo.

São exemplos disto julgamentos que deram a palavra final sobre temas controversos como aborto/anencefalia, união homoafetiva, demarcação de terras indígenas, uso de células-tronco para pesquisa, prisão após trânsito em julgado, excessos persecutórios de instituições estatais, entre outros, que não teriam sido enfrentados se o STF não tivesse cumprido seu papel de guardião da Constituição, como previsto expressamente no artigo 102 da Carta Magna.

Em ambientes como esses, com governos flexíveis e agendas abertas, muitas vezes reféns de forças conservadoras e/ou de mercado, é comum que lideranças políticas e empresariais oportunistas, especialmente aquelas que tenham seus interesses contrariados, financiem campanhas, inclusive com o apoio da mídia, com objetivos duplos.

De um lado, para manipular a opinião pública, notadamente os incautos, e, de outro, para enquadrar e tentar constranger, capturar ou cooptar todo e qualquer ente — público ou privado — que ouse discordar de sua visão ou interesse. A mídia, em particular, pode desempenhar papel crítico na formação da opinião pública, exacerbando a polarização e dificultando o diálogo racional e equilibrado sobre questões de interesse nacional.

Papel vital
Por isso, o papel contramajoritário do Judiciário é vital em conjunturas assim. Esse serve tanto para proteger o Estado Democrático de Direito, assegurando a guarda da Constituição e protegendo-a de interpretações contrárias aos seus princípios fundamentais, quanto para evitar que direitos individuais sejam sacrificados pela vontade de maioria ocasional.

Em cenário onde a volatilidade e a efemeridade das opiniões podem levar às decisões precipitadas, a função estabilizadora do STF se torna ainda mais evidente e necessária.

A atuação do STF como poder contramajoritário não é capricho ou usurpação de funções dos outros poderes, mas necessidade imperiosa para a manutenção do equilíbrio institucional e a proteção dos direitos fundamentais.

O Judiciário, especialmente a Suprema Corte, tem a responsabilidade de ser guardião dos valores e princípios constitucionais, garantindo que leis e políticas públicas estejam em conformidade com os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição.

Em conclusão, em sociedade onde a polarização e a influência dos meios de comunicação e das redes sociais podem distorcer rapidamente a percepção pública e influenciar decisões majoritárias, o papel do STF como guardião da Constituição e protetor dos direitos individuais é vital.

Esse não apenas assegura a estabilidade e a continuidade dos princípios democráticos, mas também protege os cidadãos contra a tirania da maioria e as influências oportunistas que podem comprometer a integridade do Estado Democrático de Direito.

(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República - Conselhão.

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