“Trazido para um tom sem agudos, Bolsonaro murchou”
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- Categoria: Agência DIAP
Trazido para um tom sem agudos, Bolsonaro murchou. Falou muito e disse quase nada. Pulou de um assunto a outro sem aprofundamento nem brilho. Despejou um oceano de clichês e atravessou um deserto de proposições concretas.
Juremir Machado da Silva*
Combinamos uma entrevista com Jair Bolsonaro para o “Esfera Pública” da Rádio Guaíba.
Taline Oppitz foi a campo com a colega de Correio do Povo Flávia Bemfica.
A estratégia era fugir do que o capitão gosta: a polêmica comportamental baseada em chavões.
A missão era fazer Bolsonaro falar de propostas e mostrar seu conhecimento sobre temas fundamentais.
Trazido para um tom sem agudos, Bolsonaro murchou. Falou muito e disse quase nada.
Pulou de um assunto a outro sem aprofundamento nem brilho.
Despejou um oceano de clichês e atravessou um deserto de proposições concretas.
De quebra, atolou-se na ignorância antropológica mais rasteira: sustentou que viver em aldeia para índio é viver isolado como animal em zoológico. Atolou-se um pouco mais ao afirmar que índios querem “evoluir”.
Isso remete ao racismo do século 19: a “civilização” do homem branco no topo.
É o etnocentrismo dos que não sentem vergonha dos preconceitos que disseminam.
Faz tempo que o evolucionismo foi para a lata de lixo da antropologia e da história.
Questionado sobre o patamar adequado da taxa Selic, Bolsonaro não tinha a menor ideia do assunto.
Foi socorrido por seu “cérebro”, que lhe fez sinal com as mãos de que será preciso baixar.
O que atrai em Bolsonaro?
A ideia de que vai restaurar a “ordem natural” perdida:
- a família voltará exclusivamente a ser homem, mulher e filhos;
- o politicamente correto perderá terreno;
- não haverá mais impedimento em fazer piadas sobre negros e gays;
- toda terra será explorada pelo agronegócio sem “privilégios” para índios;
- não se falará de gênero nas escolas;
- a justiça será sumária;
- bandido será morto sem conversa fiada nem inquéritos comprometedores;
- ser heterossexual será visto novamente como o comportamento “normal”;
- o mais forte se imporá;
- o Estado de Direito não será impedimento para ações de força;
- políticas assistenciais perderão espaço;
- o ensino será militarizado;
- as organizações sindicais não poderão mais atrapalhar a produção com seus atos e reivindicações;
- cada cidadão poderá se defender de armas na mão contra a violência disseminada;
- a legislação trabalhista será ainda mais reduzida para facilitar a vida dos empregadores;
- a propriedade não será punida em caso de trabalho escravo.
Bolsonaro encarna para muitos a ideia de que só um Estado autoritário traz paz social e progresso.
Empresários aderem: se para ganhar mais é preciso silenciar a divergência, estão dentro.
Ao simplificar, Bolsonaro alcança um público que vê na complexidade atual um obstáculo.
(*) Jornalista, professor e autor de vários livros. É colunista do Correio do Povo desde o ano 2000.