Novo Código do Trabalho exige “novo sindicalismo”
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- Categoria: Agência DIAP
Refiro-me ao resgate do sindicalismo de classe em detrimento do sindicalismo de categoria. Porque o Novo Código de Trabalho que vai substituir a CLT, a partir de novembro, confronta não essa ou aquela categoria de trabalhadores, mas toda a classe trabalhadora.
Marcos Verlaine*
A nova lei que vai passar a valer a partir de meados de novembro, que altera profunda e extensamente as relações de trabalho e a organização dos trabalhadores, impõe ou exige “novo tipo” de sindicalismo. Novo tipo, assim entre aspas, porque em grande medida esse “novo” ao qual me refiro não é novo. É até bastante antigo. É que foi abandonado e precisa ser resgatado, a fim de reinventar o sindicalismo brasileiro.
O sindicalismo que perdura até o momento e levou xeque-mate com a aprovação da Lei 13.467/17, que entre outras mazelas, restringe o acesso à Justiça do Trabalho, retira poderes e atribuições dos sindicatos, amplia a negociação coletiva sem o limite ou a proteção da lei e adota novos modelos de contratos de trabalho, em especial, o autônomo exclusivo e o intermitente — é resultado de décadas de práticas viciadas, que retiraram o conteúdo de classe social do movimento sindical.
Para entender os problemas que levaram à derrota do sindicalismo no Congresso Nacional, com a aprovação da Reforma Trabalhista, recorro ao sociólogo, cientista social e professor da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) Campus de Marília (SP), Giovanni Alves. Ele, que foi dirigente sindical bancário na década de 1980, diz que a prática no movimento sindical ainda é “artesanal”. Esta crítica é de 2010.
Em evento que participamos como palestrantes em Maceió em 2010, o professor fez uma exposição em que elencou o que chamou de “misérias do sindicalismo”: 1) a fragmentação, 2) o corporativismo, 3) o burocratismo e 4) o economicismo. Todos estes “ismo” levaram ao aprofundamento da crise que ora acomete o sindicalismo brasileiro.
Estes desvios minaram o movimento sindical. A fragmentação tirou a força e vitalidade dos trabalhadores e suas organizações; o corporativismo exauriu o sentido de classe da luta dos assalariados fazendo-os olhar apenas para os problemas da categoria profissional ou econômica; o burocratismo diminuiu consideravelmente a ação sindical na base e fez as organizações menos presentes nas lutas mais sensíveis dos trabalhadores; e o economicismo despolitizou a luta ou agenda sindical fazendo com que os trabalhadores se comportassem apenas como categorias e não como classe social, em busca apenas de recuperar perdas ou ampliar vantagens econômicas. Agendas legítimas, mas sempre insuficientes no tempo e nos espaços políticos e sociais da classe trabalhadora.
Estas mazelas (todas juntas e misturadas) fizeram o sindicalismo atuar e movimentar-se sem conteúdo político, sem consciência e organização de classe, que redundou no seu enfraquecimento nos planos social e político. Talvez o exemplo mais evidente disto seja a perda de representação política nas casas legislativas — câmaras de vereadores (munícipios), assembleias legislativas (estados) e o Congresso Nacional (deputados e senadores). Ao mesmo tempo em que vimos os representantes dos empresários aumentarem exponencialmente, em particular no Legislativo federal.
Enfrentar os problemas
Sair do “muro das lamentações” e enfrentar essas “misérias” podem ser as primeiras iniciativas para o movimento sindical iniciar a transição para o “novo sindicalismo”, que repito, não é novo. É o sindicalismo que foi abandonado e precisa agora ser resgatado e revigorado.
Refiro-me ao resgate do sindicalismo de classe em detrimento do sindicalismo de categoria. Porque o Novo Código de Trabalho que vai substituir a CLT, a partir de novembro, confronta não essa ou aquela categoria de trabalhadores, mas toda a classe trabalhadora e suas organizações, do sindicato à central sindical.
O sindicalismo pós Reforma Trabalhista precisa entender o que está efetivamente em disputa. A burguesia brasileira, cuja face se faz conhecida pelo que chamamos eufemisticamente de mercado, não aceita mais que o Estado financie políticas públicas de empoderamento dos mais pobres. O orçamento público, na compreensão do mercado, não mais será para financiar políticas sociais para diminuir o profundo e extenso fosso social que separa os ricos dos pobres. O fim da política de atualização e recuperação do salário mínimo é um bom exemplo.
O “novo sindicalismo” vai precisar enfrentar a contradição entre o coletivo e o individual. A luta dos trabalhadores será cada vez mais coletiva, em contraposição a um código que quer impor negociações individuais, especificas, separadas e descoladas das organizações, os sindicatos. E de outras agendas, como a que congela, em termos reais, os gastos públicos por 20 anos. Questionar e confrontar esta agenda regressiva faz parte da luta do movimento sindical. Mostrar aos trabalhadores que essa agenda nos enfraquece é tarefa urgente e fundamental.
O que quero dizer é que a luta dos metalúrgicos, por exemplo, interessa aos comerciários, que interessa aos bancários, que interessa a todos os trabalhadores, porque uma retroalimenta a outra economicamente e politicamente. Trocando em miúdos. A vitória econômica dos metalúrgicos fortalece os comerciários, pois aquece a economia. E se bem organizada e politizada fortalece a classe para uma disputa mais avançada, que é a disputa político-eleitoral para eleger representantes às casas legislativas, espaços cujos trabalhadores estão sub-representados e que, portanto, carecem de serem ocupados por representantes dos assalariados, para defender a agenda da classe trabalhadora, em particular, e a do povo em geral.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap