Quanto mais insanas e desmesuradas as propostas, tanto mais ativam a resistência. Só os trabalhadores e as trabalhadoras defenderão suas próprias causas. É chegado o momento.

Sadi Dal Rosso*

O Brasil encontra-se num momento dramático de sua história pela tentativa de se reformar o trabalho às custas dos trabalhadores.

Nem mesmo durante a ditadura civil-militar, ousaram os generais-presidentes avançar tanto na reforma do trabalho de modo a torná-lo precário, embora tenham calado sindicatos, preso lideranças sindicais e políticas, reduzido salários e perpetrado todas as barbaridades que conhecemos.

A análise do substitutivo ao PL 6.787/16 inclui uma proposta mais compreensiva de reforma trabalhista. Pretende alterar CLT, FGTS, lei da seguridade social, planos e benefícios da seguridade social. Tudo isto acionado por uma voracidade desmesurada de retirar direitos, benefícios, vantagens, alterar condições de trabalho, formas de emprego, contratos de trabalho, duração e flexibilização da jornada, contra os interesses e desejos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

O voto do relator, deputado Rogério Marinho, pertencente ao PSDB do Rio Grande do Norte, inicia afirmando a intenção de "modernizar" a legislação trabalhista uma vez que "1943 não é 2017".

A modernização é apenas um discurso, sob cujo manto se esconde a intenção de fragilizar legalmente o trabalho no mesmo movimento em que favorece a pavimentação do caminho para as empresas e para o capital.

O substitutivo apresentado pelo relator engloba o maior número de mudanças das relações de trabalho jamais vistas conjuntamente em um projeto, por meio das quais pretende implementar uma proposta liberal-conservadora de organizar o mundo do trabalho em nosso país.

Com efeito, o neoliberalismo propugna pela decisão individual inversamente à ação coletiva. O projeto do relator opera com a categoria de "negociação individual" ao lado do acordo e da convenção coletiva. Ora, é um engodo supor que o acordo individual enaltece o trabalhador, quando apenas o isola e enfraquece sua ação.

A maior investida liberalizante consiste na tentativa de implementação da prevalência do negociado sobre o legislado. Se a prevalência se aplicasse a benefícios após o limite já alcançado com os direitos, tal proposta contribuiria para avançar nas condições de trabalho. No entanto, na reforma liberal as próprias conquistas e ganhos estarão na mesa de negociação, quando então as perdas apresentam no horizonte.

É consentânea com os princípios neoliberais a proposta política de reduzir o papel do Estado na regulação do trabalho. Assim, o substitutivo ao PL 6.787/16 retira competências do Ministério do Trabalho e dos tribunais do trabalho. O objetivo de tal medida é nitidamente fragilizar aqueles que trabalham e que vem no Estado um suporte para suas desvalias.

Na mesma linha deste discurso liberal anti-estatal, acrescenta-se a tentativa de domesticar a ação da Justiça do Trabalho, que, argumenta o relator do substitutivo, vem excedendo suas competências e descumprindo a lei por meio da promulgação de súmulas e decisões de tribunais superiores que terminam por favorecer em algum aspecto os trabalhadores.

Para mascarar a investida contra o trabalho, propõe formas de incrementar a segurança jurídica que somente fazem interferir nas condições de trabalho em disputa, retirando ganhos e benefícios eventualmente já ganhos pelos trabalhadores, como na definição de que período in itinere não deve constar da jornada de trabalho. Para casos em que os trabalhadores são assaltados, é lícito empregar mais legislação e acionar a presença do Estado.

Além da modernização, a mente liberal acena com o argumento da criação de empregos para fortalecer o mundo dos empregadores e fragilizar o dos empregados.

Assim, são propostas inúmeras modalidades flexíveis de trabalho que enfraquecem o contrato de trabalho permanente e diminuem o espaço que ocupa na economia brasileira.

Assim, o substitutivo propõe legislação sobre teletrabalho, modalidade já em uso há décadas no país. E pretende resolver os problemas sociais envolvidos no teletrabalho com a disposição de que empregadores deverão instruir os trabalhadores sobre ações que causam acidentes e doenças e que devem ser evitadas e mediante a cobrança de multas aos trabalhadores que não cumprirem tais instruções.

O substitutivo propõe também a terceirização de todas as atividades. Definitivamente, se aprovada a proposta do substitutivo, não haverá mais a separação introduzida pelos tribunais entre atividades meio e atividades fim. A terceirização por si só não cria empregos. Somente interpõe mais um agente na relação entre empregador e empregado. Relação que complica imensamente a atribuição das responsabilidades ao passar de dois para três agentes. Novamente é uma ação que prejudica trabalhadores e trabalhadoras.

E por tais vias, o substitutivo do relator, que pretende entrar na história pelas portas dos fundos por alterador da Consolidação das Leis do Trabalho, legislando contra a melhoria das condições de trabalho no Brasil e favorecendo desbragadamente os interesses das empresas e dos capitalistas, propõe o trabalho intermitente, que permitiria criar milhões de empregos, não se sabe em virtude de que força celeste. Ora, o trabalho intermitente é aquele que permite um contrato em que períodos de atividade são intermeados por períodos de inatividade. Obviamente, sendo os períodos de inatividade, de espera até o período de atividade subsequente, não remunerados pelos empregadores. Nisso está a chave da questão. Que os empregadores ganharão com a intermitência parece claro. Igualmente é claro que a legislação da intermitência sujeita os trabalhadores livres ao castigo das ociosidades não voluntárias, contadas em horas, dias ou meses. Permanece em aberto a questão: de que misterioso lugar surgirão os empregos?

O substitutivo propõe, ainda, uma inovação nos contratos laborais que fará do Brasil pioneiro em escala mundial, uma vez que tal forma gerada para atender as relações entre capital e trabalho já foi sacramentada pelos mais altos tribunais desse país. Falta apenas a regulação pelo Poder Legislativo, para que não permaneçam dúvidas de que se está a caminho do trabalho escravo. Trata-se do regime de jornada compacta de 12 por 36 horas. Uma inovação verde amarela, sem equivalente mundial. E porque? Porque trabalhar doze horas contínuas sem interrupção durante anos a fio faz mal para a saúde do trabalhador e da trabalhadora. Mas no Brasil tudo isto se tolera em nome do desenvolvimento.

E as propostas continuam: sobre aprendizagem no trabalho, sobre trabalho temporário, sobre trabalho em tempo parcial, sobre a contenção da ação dos tribunais, sobre as restrições para acesso às ações trabalhistas, sobre a divisão dos dias de férias e assim por diante. A característica essencial do substitutivo é esta: retirar do empregado e favorecer o mundo do patronato. Como soem ser as políticas neoliberais do Robin Hood invertido: retiram dos pobres para enriquecer os ricos.

Quanto mais insanas e desmesuradas as propostas, tanto mais ativam a resistência. Só os trabalhadores e as trabalhadoras defenderão suas próprias causas. É chegado o momento.

(*) Sociólogo. É professor da UnB (Universidade de Brasília)

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