Leis de combate à corrupção e as dez medidas do MP
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- Categoria: Agência DIAP
O debate da matéria não surgiu agora nem se pode ignorar os avanços nesse campo conquistados nos últimos treze anos. Ignorar este fato é querer ignorar a história.
Antônio Augusto de Queiroz*
Antes de o Ministério Público (MP) propor suas dez medidas de combate à corrupção, o Brasil já tinha aprovado uma série de leis importantes sobre o tema, especialmente durante os governos do PT, sem o concurso das quais os órgãos de controle, de fiscalização e de repressão criminal jamais teriam tido condições de identificar, denunciar e punir desvios de conduta que historicamente eram praticados impunemente.
O debate da matéria, portanto, não surgiu agora nem se pode ignorar os avanços nesse campo conquistados nos últimos treze anos, entre os quais merecem destaque os seguintes:
- Lei da Transparência (Lei Complementar 131/09, conhecida como Lei Capiberibe);
- Lei de Captação de Sufrágio, que aceita a evidência do dolo para efeito de cassação de registro e de mandato (Lei 12.034/09);
- Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10);
- Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11);
- Atualização da Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/11);
- Lei de Conflito de Interesses (Lei 12.813/13);
- Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica, ou Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13);
- Lei da Delação Premiada, ou lei que trata de organizações criminosas (Lei 12.850/13); e
- Emenda Constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (EC 76/13).
Além das leis mencionadas, é bom lembrar que a presidenta Dilma Rousseff entregou ao presidente do Congresso Nacional, em março de 2015, um pacote de medidas anticorrupção, que incluía, entre outras, as seguintes propostas: tipificação do caixa dois como crime, prevendo pena de três a seis anos; confisco de bens e propriedades em caso de enriquecimento ilícito; alienação antecipada de bens apreendidos; ficha limpa para servidores públicos; e tipificação como crime da incompatibilidade de ganho e bens de servidores públicos.
As dez propostas do Ministério Público de combate à corrupção e de transparência, que complementam e aprofundam as medidas nesse campo apresentadas e/ou implementadas nas gestões do PT, envolvem os seguintes aspectos:
1) prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação;
2) criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos;
3) aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores;
4) eficiência dos recursos no processo penal;
5) celeridade nas ações de improbidade administrativa;
6) reforma no sistema de prescrição penal;
7) ajuste nas nulidades penais;
8) responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2;
9) prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado; e
10) recuperação do lucro derivado do crime.
As propostas, como enunciados ou conceitos abertos, contam com apoio unânime na sociedade, no Parlamento e no governo, e, com os devidos aperfeiçoamentos, devem merecer a aprovação do Legislativo.
Porém, ao analisar o seu detalhamento em textos legais, é possível constatar alguns exageros e omissões que, efetivamente, sem prejuízo da aprovação das demais, precisam ser sanados, e fazer isso é papel do Poder Legislativo.
Entre os exageros, que precisavam ser revistos pelo Congresso, podemos citar a figura do “reportante do bem”, que nada mais é do que um delator pago, e o chamado “teste de integridade”, uma situação falsa de suborno para punir o servidor público, a utilização de prova ilícita e a negociação com réu preso.
No campo das omissões, a mais evidente é a completa ausência de qualquer regra que controle ou limite eventual abuso de autoridade na utilização desses instrumentos legais de combate à corrupção. Não se pode permitir, em nome do combate à corrupção, emprego por parte dos operadores da lei de vazamentos seletivos, de chantagem ou intimidação, da oferta de vantagens incompatíveis com a ética e a moral para prejudicar ou favorecer quem quer que seja.
A Câmara dos Deputados, ao analisar as medidas, e isso faz parte de suas atribuições, promoveu modificações, tanto no texto original como no substitutivo do relator, por ocasião da votação de emendas e destaques no plenário, provocando grande polêmica em razão de ter excluído regras consideradas fundamentais pelos membros do Ministério Público.
Quanto ao substitutivo do relator, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), foram mantidas, entre outras, as medidas destinadas:
- à fixação de prazo para razoável duração do processo em 3 anos na instância originária, e 1 ano na instância recursal;
- ao aumento de penas dos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informações, concussão, excesso de exação, corrupção passiva, corrupção ativa, corrupção ativa em transação comercial internacional e estelionato, que passam, em geral, de 2 a 12 anos para de 4 a 12 anos;
- à garantia, para autoridade policial, membros do MP e CPIs, de acesso a dados não protegidos por sigilo sem necessidade de autorização judicial;
- à responsabilização dos partidos políticos, na medida de sua culpabilidade, no âmbito administrativo, civil e eleitoral por atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira nos termos da Lei Anticorrupção, por Caixa 2 (de origem lícita e ilícita) e por lavagem de dinheiro;
- à criminalização da venda de votos, a tipificação, de modo específico, do Caixa 2, com pena de 2 a 5 anos e multa;
- às alterações na Lei de Ação Popular para ampliar seu escopo, garantir sua celeridade e prever retribuição financeira a seu autor.
Em relação ao abuso de autoridade, item incorporado ao projeto mediante aprovação de emenda no plenário da Câmara dos Deputados, embora o foco fosse a Magistratura e o Ministério Público, seu escopo é amplo e traz importantes previsões que configuram abuso, como: “atuar com motivação político-partidária”; “exercer cargo de direção ou técnico de sociedade simples, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração”; e “expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”, hipóteses que caracterizam o desvio de conduta e abandono da imparcialidade do magistrado.
Já no caso do Ministério Público, assim como a tipificação do crime de denúncia temerária de ação civil pública, é importante para coibir o abuso de poder nessa seara. Portanto, são corretas as previsões de abuso, quando o membro do MP: 1) “recusar-se à prática de ato que lhe incumba”; 2) “promover a instauração de procedimento, civil ou administrativo, em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito”; 3) “atuar, no exercício de sua atribuição, com motivação político-partidária”; e 4) “expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público ou juízo depreciativo sobre manifestações funcionais, em juízo ou fora dele, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.
O fundamental é que a legislação resolva os dois problemas envolvidos: ataque as causas da corrupção, fechando os ralos ou brechas que deram causa a desvio de conduta, e crie meios e condições para punir os delinquentes, incluindo-se nessa categoria também aqueles que sabidamente abusarem dos poderes que lhes foram reservados para combater a corrupção.
Contudo, o aperfeiçoamento das instituições para combater a criminalidade, a corrupção e o crime organizado não pode sacrificar os valores da própria democracia, como o devido processo legal e a proteção dos direitos individuais. O empoderamento excessivo do Estado para essas finalidades, como mostra a história, frequentemente leva ao seu desvirtuamento. A existência de um clamor popular pelo maior rigor punitivo não é salvo-conduto para qualquer medida.
Por fim, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, por decisão liminar, determinou a suspensão da tramitação do PL 4.850/16 (PLC 80/16, no Senado), sob o fundamento de que projeto de lei de iniciativa popular não pode ser subscrito por parlamentares e o Poder Legislativo não pode emendar proposta de iniciativa popular.
Ora, se prevalecer essa decisão absurda, o STF terá de também revogar ou considerar inconstitucional a Lei 8.930/94, conhecida como Daniella Perez, que trata dos crimes hediondos; a Lei 9.840/99, de combate à compra de votos; a Lei Complementar 135/10, que trata da ficha limpa, e a Lei 11.124/09, que cria o fundo de habitação popular, todas de iniciativa popular, subscritas por parlamentares e modificadas durante a sua tramitação no Congresso. Essa decisão certamente será revogada pelo pleno do tribunal.
(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap. Texto publicado originalmente na Revista eletrônica Teoria & Debate.