De acordo com Antônio Augusto de Queiroz, reforma de Temer é a mais dura desde a Constituição de 1988 e enfrentará resistência inclusive na base governista do Congresso

Entrevista feita por Nicolau Soares, do portal Outraspalavras (http://outraspalavras.net/previdencia/)

A proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo de Michel Temer nesta terça-feira (6) é a mais radical apresentada após a Constituição de 1988 e vai enfrentar grande resistência na população – e mesmo no Congresso Nacional. A avaliação é de Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Para ele, mesmo com uma base de apoio muito grande no Congresso, Temer pode enfrentar dificuldades por conta do tema, que afeta diretamente o bolso da população. “O sujeito vai fazer as contas e ver que vai precisar trabalhar mais 15 anos para se aposentar. Quem tem direito hoje a um benefício ou aposentadoria especial, por exemplo, vai ver que a proposta elimina praticamente todas. É uma reforma muito dura e vai provocar uma resistência grande”, avalia.

Leia a entrevista completa abaixo:

Qual sua avaliação sobre a proposta da reforma da Previdência apresentada por Temer?

Antônio Augusto de Queiroz – É a reforma mais radical apresentada após a Constituição de 1988. As reformas de FHC e Lula tinham generosas regras de transição, essa quase não tem. Estabelece uma idade mínima de 50 anos para o homem entrar na regra de transição (45 para a mulher), e pode ocorrer de o sujeito ter 31 anos de contribuição e ser tratado da mesma forma que quem entra agora no sistema, um absurdo completo. É uma reforma extremamente dura, e perversa desse ponto de vista. Acredito que o Congresso deverá fazer modificações substantivas em relação a esse texto, especialmente no que diz respeito às regras de transição.

O governo Temer tem mostrado uma base aliada muito coesa, como na aprovação da PEC 241/55. Acredita que vá ser diferente agora?

Queiroz – É uma situação diferente porque a PEC 241, em tese, tratava de princípios, de enunciados – não tratava objetivamente de direitos. Dizia genericamente que teria um novo regime fiscal, durante a vigência do qual o governo só poderia elevar os gastos de acordo com o índice de inflação do ano anterior. Para a população isso é um conceito abstrato e aparentemente neutro, porque ela não tinha a informação de que as despesas financeiras – que são as principais despesas do governo – estavam fora disso. Não ficava claro o impacto na Educação e na Saúde. O fato de não ter essas informações e não mexer direta e objetivamente com direitos facilitou a aprovação no Congresso.

A Previdência é muito objetiva, mexe no bolso do cidadão. O sujeito vai fazer as contas e ver que vai precisar trabalhar mais 15 anos para se aposentar. Quem tem direito hoje a um benefício ou aposentadoria especial, por exemplo, vai ver que a proposta elimina praticamente todas. É uma reforma muito dura e vai provocar resistência grande. As pessoas vão reagir.

E essa reação chega ao Congresso?

Queiroz – A base do governo Temer na Câmara é da seguinte ordem: a oposição de esquerda tem 98 parlamentares, e 415 são de partidos da base. Destes, 240 dão apoio consistente ao governo e 175 dão apoio condicionado. Isso quer dizer que, desses 175, aproximadamente 1/3 poderá discordar da reforma por razões ideológicas e 2/3 podem criar dificuldades por razões fisiológicas, negociar alguma compensação pelo desgaste de votar com o governo. Nesse tema, o apoio condicionado tende a divergir mais, mesmo com incentivos, do que em outras matérias. Todo mundo tem na família, quando não ele próprio, algum interesse que poderá ser prejudicado com a nova regra. Mas o governo está bem articulado. Já escalou dois relatores “barra pesada”, que não vão arredar o pé dos interesses do governo. Na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] é o Alceu Moreira, cara de direita, ligado aos ruralistas e ao PMDB mais conservador do Rio Grande do Sul. E na Comissão Especial, que vai ser formada posteriormente, está escolhido Artur Maia (PPS-BA), que foi relator do projeto da terceirização generalizada.

Quanto aos apoios fora do Congresso, é possível identificar o sistema financeiro como um interessado na reforma, em especial por conta dos fundos de previdência privada?

Queiroz – Sem dúvida nenhuma. Na medida em que se restringe o acesso a benefícios de caráter oficial e se alonga o tempo para acesso, é natural que as pessoas com renda busquem aportar recursos na previdência complementar. Esse ajuste não tem só a perna fiscal, de cortar gastos do governo, tem também pressão do mercado, dos bancos e seguradoras da área de previdência.

Já na oposição social, as centrais sindicais devem liderar a resistência? Há consenso entre elas nisso?

Queiroz – As centrais devem ter um papel importante, mesmo com divergências. Algumas vão contestar o conjunto, outras podem apoiar as mudanças no que diz respeito aos servidores públicos. A CUT, por exemplo, tem uma base importante de servidores e vai contestar tudo. Outras podem eventualmente aceitar retirada do servidor da integralidade, da paridade, por ser um tratamento diferenciado do setor privado – ainda que sem compreender as razões dessa diferenciação. Com certeza será unânime a resistência em relação às regras de transição. É uma reforma muito dura e sem fazer antes o dever de casa, eliminar desonerações, cobrar dívida dos sonegadores, sem incluir militares, políticos e outros setores.

Inclusive o governo estuda anunciar um novo processo de refinanciamento de dívidas das empresas, segundo informações da mídia.

Queiroz – Pois é, no momento de cobrar o setor empresarial ele dá anistia, faz reparcelamento. E com os trabalhadores não há a menor generosidade, corta direto.

Acredita que há chance dessa resistência barrar a reforma?

Queiroz – O problema é que o debate está interditado. Quem apoiou o impeachment de Dilma não dialoga com quem foi contra. E entre quem apoiou, 80% ou mais das pessoas não concordam com a Reforma da Previdência. Mas quem está fazendo o enfrentamento da reforma é quem foi contra, e o cara associa com uma questão partidária. Aí volta aquela situação de “coxinhas versus petralhas”. Se não ampliarmos o leque de apoios no combate à reforma, incluindo quem apoiou o impeachment mas tem interesses contra agora, corremos risco de ter uma derrota e ver uma reforma muito mais dura ser aprovada.

A mídia tem um papel nesse processo, com a criminalização do PT e da esquerda?

Queiroz – Sem dúvida. Nesse momento de “pós-verdade”, você criminaliza uma força política que defende certas ideias e aí quem defende essas ideias fica vinculado a essa força política. E não se discute mais o conteúdo das propostas.

O segmento que defende ideias muito próximas do interesse da maioria da população, questões sociais, de combate à desigualdade, teve seus representantes associados como corruptos, irresponsáveis fiscalmente. Ou associados a valores morais que são dogma para as famílias mais tradicionais. Quando chega um assunto que não tem nada a ver com isso, o debate fica interditado.

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