As chances de uma reforma política ampla, portanto, só terá viabilidade de contar com generosas regras de transição. Torço e confio que a reforma avance no sentido: 1) do fortalecimento dos partidos, dando-lhes consistência ideológica e programática, 2) do combate à corrupção, 3) da promoção de equilíbrio na disputa eleitoral, e 4) da aproximação dos representantes dos representados.

Comissão Especial da Reforma Política
Apresentação: Antônio Augusto de Queiroz
Local e data: 22/11/2016 – Plenário 4, Anexo 2 da Câmara

Senhor presidente, deputado Lúcio Vieira Lima
Senhor relator, deputado Vicente Cândido,
Senhoras e senhores deputados

Gostaria, inicialmente, de agradecer o convite da comissão especial, uma iniciativa da deputada Luiza Erundina, para falar sobre a reforma política, um tema recorrente em nosso País.

A reforma política, em sentido amplo, representa um conjunto de regras que organizam a prática do regime representativo.

Em sentido restrito, a reforma política limita-se aos sistemas eleitorais e partidários, que definem a forma como o eleitor faz suas escolhas e como os votos são convertidos em mandatos.

A reforma política em sentido restrito, portanto, tem como objetivo a definição das regras para a distribuição do poder entre os sujeitos do processo político.

Como regra, a reforma ou a mudança de modelo se impõe pelo esgotamento do sistema em vigor, que reclamara por mudanças.

Se o esgotamento do sistema reclama reformas, que a reforma seja ampla o suficiente para restaurar a credibilidade do sistema perante os representados.

Nesse sentido, a pauta da sociedade para a reforma política, articulada desde 2003 pela Plataforma dos movimentos sociais, parece adequada. Ela contempla cinco eixos: 1) democracia direta, 2) democracia participativa, 3) democracia representativa, 4) sistema de comunicação, e 5) sistema de Justiça.

Sabemos todos, entretanto, que a reforma política é um tema complexo, polêmico e gerador de tensões, daí a dificuldade de reunir maioria em torno de uma reforma radical.

E, nesse terreno, não existe solução teórica ou “desenho” institucional perfeito, ideal ou “ótimo”.

Os novos arranjos serão sempre resultados da correlação de forças e das condições objetivos da disputa em torno dos modelos.

Por isso mesmo tem sido um tema recorrente no Brasil.

Nos momentos de crise, nos períodos de campanha eleitoral e em início de mandatos presidenciais e dos parlamentares federais o tema da reforma política volta às páginas dos jornais e à agenda do Congresso.

Há consenso na sociedade, no governo e no Parlamento sobre o esgotamento do atual sistema de representação brasileiro, bem como da necessidade e até urgência de uma reforma política.

Todos desejam uma reforma que: 1) fortaleça os partidos, dando-lhes consistência ideológica e programática, 2) combata a corrupção, 3) promova o equilíbrio na disputa eleitoral, 4) aproxime os representantes dos representados, 5) institua cotas de gênero; e 6) amplie os mecanismos de participação e consulta popular.

Entretanto, não existe nenhum acordo a respeito do conteúdo ou do melhor arranjo para o sistema representativo, cada parlamentar tem um modelo próprio.

Qualquer pesquisa que se faça, atribui-se as mazelas da vida pública à ausência de uma reforma política moralizadora.

Isto é preocupante, por três motivos.

Em primeiro lugar, porque não será uma tarefa fácil promover uma reforma política moralizadora, que valorize os partidos e aproxime os representantes dos representados.

Além da complexidade e polêmica do tema, há interesses políticos, partidários e pessoais envolvidos, que podem comprometer o projeto de reeleição de muitos parlamentares.

Qualquer reforma estrutural no sistema eleitoral terá ganhadores e perdedores. É uma questão de escolha.

Por isso, até agora os interessados numa reforma com esse escopo não conseguiram reunir votos suficientes para aprová-la, nem mesmo em nível infraconstitucional.

Em segundo lugar, porque, mesmo que se faça uma ampla reforma política, não existe garantia de que isso efetivamente irá resolver todas as mazelas da vida pública, como virou senso comum.

A falta de educação política e os custos da participação só serão superados com mudança cultural dos eleitores e principalmente das lideranças políticas e partidárias.

Enquanto as pessoas não souberem o que são, para que servem, o que fazem e como funcionam as instituições, não haverá representação política autêntica, com participação e controle político e social.

As escolas, os partidos, a imprensa, ninguém cuida desse aspecto.

Os desatentos, por assimetria de informação ou por descrença na vida política não mudarão de atitude se não forem informados sobre o papel das instituições e estímulos a participar, especialmente por intermeio de plebiscito e referendo.

Por exemplo: a maioria das pessoas não sabe que a missão institucional do Parlamento, constituído de representantes de partidos, é organizar, democrática e pacificamente, as contradições que a sociedade não pode nem deve assumir, sob pena de retorno da barbárie, com estado permanente de guerra.

Não sabem, igualmente, da influência (positiva ou negativa) do Estado em sua vida.

Que o Estado, enquanto não inventarem outra forma de organização social, vai continuar exercendo, em sua plenitude, os três monopólios que são inerentes à sua criação:

1) o poder de impor conduta e punir seu descumprimento (poder coercitivo); 2) o poder de legislar (fazer leis obrigatórias para todos); 3) tributar (arrecadar compulsoriamente o excedente econômica da sociedade).

E o emprego desses monopólios depende das instituições, dos poderes públicos e das diretrizes e visão de mundo dos titulares dos poderes da República, particularmente do Poder Executivo e do Legislativo, cujos titulares são eleitos pelo voto popular.

Em terceiro lugar, porque não adianta mudar o sistema eleitoral se não houver mudança de cultura, especialmente nos partidos políticos.

Os agentes políticos precisam ter consciência de que o eleitor é titular do poder.

Quando o eleitor delega para que alguém em seu nome legisle, fiscalize, aloque recursos no orçamento ou administre um município, um estado ou a própria União, o faz com base em um programa, com exigência de prestação de contas e alternância no poder.

E nenhum representante tem correspondido a essa expectativa, levando à descrença do eleitor nos agentes públicos e nos políticos de modo geral.

As manifestações de junho de 2013 tiverem o propósito de denunciar esse divórcio entre os representantes e os representados.

Enquanto os partidos apresentarem programas para ganhar a eleição e não para governar, dificilmente será aperfeiçoado o sistema de representação.

Os partidos são entidades civis, com autonomia e independência, com liberdade para atuar livremente, sem qualquer interferência ou intervenção do Estado.

Entretanto, com raras exceções, não se autorregulam.

Por exemplo: não controlam filiação, falta-lhes nitidez ideológica e programática, não existe clivagem social clara, não existe coerência entre discurso e prática, permitem o caixa dois nas campanhas eleitorais etc.

Promovem alianças sem compromisso ideológico ou programático, que resultam em pulverização partidária, como nestas eleições de 2014, cujo número de partidos com representação no Congresso passou de 22 para 28.

Enquanto os partidos, nas eleições proporcionais, recrutarem seus candidatos e fizerem as coligações preocupados apenas em aumento seu espaço no horário eleitoral gratuito e aumento sua fatia no fundo partidário, não haverá uma representação autêntica.

O sistema de coligações, no qual os partidos se unem apenas para somar votos, sem qualquer compromisso programático, é uma distorção de nosso sistema eleitoral, porque: 1) o eleitor, que vota num candidato e ajuda a eleger outro, não se sente representado, e 2) o eleito não sabe a quem prestar contar.

A mudança na legislação, portanto, deve vir acompanhada de mudança de postura dos dirigentes partidários e dos agentes públicos, sob pena de completa desmoralização da política.

E não há solução para os problemas coletivos fora da política.

Todas as conquistas do processo civilizatório foram produto de decisão política: 1) os direitos civis, 2) os direitos políticos, 3) os direitos sociais, 4) os direitos difusos e coletivos, e 5) os bioéticos, etc.

Logo, a política é fundamental.

A reforma do sistema político, por isso mesmo, não pode se limitar à redução do número de partidos, como virou senso comum.

Desde que os partidos ganharam dimensão nacional, a partir de 1945, com exceção do período de 1965-1979 do regime militar, em que vigorou o bipartidarismo, sempre houve pluripartidarismo.

Moderado, como no período de 1980 a 1985, quando existiam seis partidos. Menos moderado, como no período de 1986 a 1988, porém com um partido majoritário (PMDB). E exacerbado, de 1989 até os dias atuais, quando se chegou a 28 partidos com representação na Câmara.

Se esse for o objetivo, a forma mais eficaz de reduzir o número de partidos, sem retirar-lhes a autonomia e independência, tem sido a instituição de cláusula de barreira ou o fim das coligações nas eleições proporcionais.

Esses dois mecanismos, entretanto, não podem ser implementados sem dois requisitos.

O primeiro é que a cláusula de barreira, além das duas já existentes (quociente eleitoral e 10% desse percentual para o candidato poder assumir o mandato), deve ser implementada de forma gradual, para não excluir da representação parlamentar os partidos ideológicos.

O segundo é que o fim da coligação deve vir acompanhada da criação da federação de partidos, que possibilitem a aliança ou coligação entre partidos com identidade programática e ideológica.

O DIAP fez uma simulação sobre o tamanho das bancadas e sobre o funcionamento parlamentar, considerando os votos obtido pelos partidos na eleição de 2014, em relação: 1) fim das coligações nas eleições proporcionais, e 2) adoção do distritão, conforme tabela abaixo.

Simulação de sistema eleitoral

Partidos               Coligação            Distritão             Sem coligação
PT                        69                        71                      102
PMDB 65 70 102
PSDB 54 53 68
PP 38 37 32
PSD 36 40 29
PR 34 32 24
PSB 34 34 41
PTB 25 25 19
DEM 21 23 13
PRB 21 19 14
PDT 20 21 12
SD 15 13 8
PSC 13 15 10
Pros 11 10 6
PCdoB 10 12 5
PPS 10 8 5
PV 8 5 7
PHS 5 2 1
PSol 5 6 6
PTN 4 4 1
PMN 3 3 0
PRP 3 4 0
PEN 2 1 0
PTC 2 1 0
PSDC 2 0 3
PRTB 1 1 3
PSL 1 1 0
PTdoB 1 2 2
Total 513 513 513

De acordo com a simulação acima, com base no resultado das eleições de 2014, os principais beneficiários seriam os grandes partidos (PMDB, PT e PSDB). Haveria, em consequência do fim das coligações, uma redução de 28 para 23 do número de partidos com representação na Câmara.

O PMDB aumentaria 36 deputados, passando de 66 para 102; o PT, 32, aumentando de 69 para 102; e o PSDB, 17, subindo de 54 para 71. Entre os médios, apenas o PSB cresceria, passando de 34 para 41.Partidos como PEN, PMN, PRP, PRTB, PSL e PTC ficariam sem representação na Câmara.

Já a adoção do Distritão, que consistia na substituição do atual sistema proporcional pelo majoritário na eleição para a Câmara dos Deputados, os grandes e médios seriam os principais beneficiários. Por esse novo sistema, elegem-se os mais votados, independentemente de partidos. Assim, em São Paulo, os 70 mais votados seriam os eleitos.

Na hipótese de adoção do Distritão nenhum legenda crescia mais que dez nem perderia mais do que dez parlamentares. As oscilações nas bancadas, portanto, seriam bem menores que na hipótese do fim das coligações.

Ganhariam o PT, o PMDB, o PSD, o DEM, o PDT, o PSC, o PCdoB, o PSol, o PRP e o PTdoB. Perderiam o PSDB, o PP, o PR, o PRB, o SD, o Pros, o PPS, o PV, o PHS, o PEN, o PTC e o PSDC. Ficariam do mesmo tamanho, o PSB, o PTB, o PTN, o PMN, o PRTB e o PSL.

O DIAP também fez simulação com base na cláusula de barreira ou de desempenho partidário, segundo o texto da PEC 36/16 aprovada no Senado, que prevê 3% a partir de 2022, mas se iniciaria em 2018 com a exigência de um percentual mínimo nacional de 2% dos votos válidos, que também deveria ser alcançado em pelo menos 14 unidades de federação.

Se as novas regras já estivessem em vigor em 2014, de acordo com cálculos do DIAP, o número de partidos com direito a funcionamento parlamentar cairia de 28 para 13, no caso de 2%, e de 28 para onze, na hipótese de 3%, conforme tabela abaixo:

PARTIDO VOTOS NA LEGENDA VOTOS NOMINAIS VOTOS VÁLIDOS 2% DOS VOTOS NACIONAL REPRESENTATIVIDADE ESTADOS
PT 1.750.181 11.803.985 13.554.166 1.946.010 27
PSDB 1.927.681 9.145.950 11.073.631 1.946.010 25
PMDB 738.841 10.053.108 10.791.949 1.946.010 27
PP 270.956 6.158.835 6.429.791 1.946.010 22
PSB 693.477 5.574.401 6.267.878 1.946.010 23
PSD 329.992 5.637.961 5.967.953 1.946.010 24
PR 186.798 5.448.721 5.635.519 1.946.010 25
PRB 127.939 4.296.885 4.424.824 1.946.010 17
DEM 217.287 3.868.200 4.085.487 1.946.010 17
PTB 210.554 3.703.639 3.914.193 1.946.010 19
PDT 327.350 3.144.825 3.472.175 1.946.010 22
SD 68.062 2.621.639 2.689.701 1.946.010 19
PSC 99.840 2.420.581 2.520.421 1.946.010 14

A clausula de barreira do Senado, entretanto, é apenas para efeito de funcionamento parlamentar. E o funcionamento parlamentar, segundo a PEC seria assegurado apenas aos partidos que superassem a cláusula de barreira, aos quais ficam assegurados: 1) o direito ao fundo partidário, 2) o acesso gratuito ao rádio e à televisão e 3) o uso da estrutura própria e funcional nas casas legislativas, ou seja, o direito a gabinete de liderança, a assessoria de bancada, entre outras prerrogativas para o exercício do mandato.

As dificuldades da reforma
É curioso que até os temas que exigem apenas mudança na legislação ordinária para sua implementação, como o financiamento exclusivamente público de campanha ou a adoção do sistema de lista partidária, até hoje não conseguirem votos suficientes em razão da divisão em praticamente todos os partidos.

O financiamento das campanhas eleitorais, por exemplo, foi outro tema que não houve acordo no Congresso. O STF teve que intervir para eliminar o financiamento empresarial, deixando na legislação apenas o financiamento cidadão, o financiamento com recursos próprios e o financiamento com recursos do fundo partidário.

A questão do financiamento está diretamente associada ao sistema eleitoral. Se for de lista fechada faz sentido a adoção de fundo ou do financiamento exclusivamente público.

Se continuar de lista aberta, o financiamento deverá continuar sendo de pessoa física e do fundo partidário, porém com critério isonômico entre os candidatos do partido. O uso de recursos próprios deve obedecer os mesmos limites das doações individuais e não poderá custear toda a campanha.

Outros temas relevantes, que demandam alteração na Constituição – como a substituição do voto proporcional pelo majoritário ou pelo distrital misto, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a adoção da cláusula de barreira, a instituição de voto facultativo, a destituição de mandato (recall), a previsão de candidaturas avulsas, o fim da reeleição, a eleição para suplente de senador e o aumento do mandato dos titulares do Poder Executivo – dificilmente serão aprovados sem generosas regras de transição, um plebiscito, uma constituinte exclusiva ou uma grande mobilização nacional.

Uma coisa, entretanto, parece certa. Nenhuma mudança estrutural será aprovada sem regra de transição. A tendência é que as mudanças continuem sendo incrementais.

A grande verdade é que vivemos em reforma política permanente desde 1985, de modo incremental, com uma ou mais mudança em cada período de quatro anos, conforme exemplificado a seguir.

Princípio da anterioridade (1993) – EC 4 (art. 16 da CF) – lei que alterar o processo eleitoral só vigora se aprovada um ano antes da eleição.

• Lei de inelegibilidades (1994) – Lei Complementar 81 – perda do mandato por oito anos.

• Lei dos partidos políticos (1995) – Lei 9.096 – funcionamento parlamentar (5% nacional, e 1/3 deles com pelo menos 2% dos votos válidos – foi declarada inconstitucional onze anos depois, exatamente no ano em que entraria em vigor.

• Lei geral das eleições (1997) – Lei 9.054 – regras permanentes para as eleições e institui o sistema eletrônico de votação.

• Lei de compra de voto ou captação de sufrágio (1999) – Lei 9.840, de iniciativa popular – transforma em fraude o que antes era definido como crime.

• Mini-reforma eleitoral (2006) – Lei 11.300 – reduz gastos de campanha, com fim de brindes e outdoor.

• Fidelidade partidária (2007) – decisão do STF sobre fidelidade partidária.

• Mini-reforma para 2010 (2009) – Lei 12.039 – autoriza a punição por evidência do dolo e amplia prazo para representar contra condutas vedadas.

• Ficha Limpa (2010) – Lei Complementar 135 – inclui novas hipóteses de inelegibilidade, protege a probidade administrativa e a moralidade no exercício de mandato.

• Proibição de portabilidade do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito- Lei 12.875, de 30 de outubro de 2013.

• A Lei 13.165/15 trouxe: 1) a redução do prazo de filiação partidária, 2) a redução do período de campanha e de propaganda eleitoral, 3) a modificação na forma de preenchimento das vagas pelos partidos ou coligações, d) a exclusão do financiamento empresarial de campanha, e e) a previsão de janela partidária.

As chances de uma reforma política ampla, portanto, só terá viabilidade se contar com generosas regras de transição. Torço e confio que a reforma avance no sentido: 1) do fortalecimento dos partidos, dando-lhes consistência ideológica e programática, 2) do combate à corrupção, 3) da promoção de equilíbrio na disputa eleitoral, e 4) da aproximação dos representantes dos representados.

Muito obrigado. Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Diap.

Nós apoiamos

Nossos parceiros